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a árvore ao jardim

o óbvio e a ARTE

A Arte não se apresenta pelo que é óbvio. Arte vai para além das fronteiras de tudo o que é óbvio. Por sua vez, tudo o que é óbvio jamais está inserido no que é Arte e por isso, esta só conseguir assomar-se nas margens das impositivas regras e amarras do que lhe é óbvio.
Ao se apresentar o resultado duma obra, ela porque precisa na sua forma de se exprimir e dar continuidade a outros actos ou processos de criação, propõe-se sempre à reflexão na inerência da sua inesgotável auto-reflexão.
O que é óbvio não exorta à reflexão ou ao acto de pensar. O óbvio ou o que é óbvio em si mesmo automatiza-se sem esclarecimentos, e que por conhecer-se de antemão em todo o seu percurso de um antes num depois que lhe é requerido, confina-se a uma condição de não-comunicação.
E uma obra de arte estima-se enquanto arte se o óbvio não se verificar. A partir do momento em que o óbvio transpareça numa obra de arte, imediatamente a peça que tida de obra deixará de o ser e reduz-se assim a uma qualquer situação de não-comunicação.

Embora exista uma consequente relação do óbvio com o visível do que é dizível nos resultados das afirmativas cientificidades, a arte essa comunga antes de mais, não com a aparência do que é óbvio, mas sim na consequente relação de uma objectividade que por intuitiva tornar-se sempre subjectiva e que jamais se deixará condicionar pelo que lhe é aparentemente óbvio.

É nesse mesmo visível de uma obra do que é dizível no indizível ou nessa mesma antecipada conexão objectiva que se torna sempre subjectiva, que o óbvio não tem lugar. Indizível esse que se regozija com o espaço de um novo por devir ou de tudo aquilo que vem ou virá, num benéfico presente da criação ou do que é criativo. E não ao que é relativo ao novo da novidade e do especulativo ou seja, da novidade pela novidade a aniquilar, a tropeçar e a tornar-se mortífero em si mesmo, isto é, pela quantia ou por um muito de uma quantidade num quantificável que se esgota, se consome ou se transforma em lixo do que é consentâneo por tão repetitivo em que disputas ou competitividades, tornando-se pois, uma atroz escassez para os demais em que demasia. A arte situa-se assim, num novo que é afecto ou relativo à criação ou ao movimento do acto criativo, processo esse, que é o da verdadeira comunicação do pensamento, a dar com toda a singularidade e qualitativamente, lugar e espaço a todos por igual.

O homem - ser animal - em ADORNO

(…) A falta de razão não tem palavras. Eloquente é a sua posse, que estende seu domínio através de toda a história manifesta. A terra inteira dá testemunho da glória do homem, na guerra e na paz, na arena e no matadouro as criaturas irracionais sempre tiveram de fazer a experiência da razão. Esse processo visível esconde aos carrascos o processo invisível: a vida sem a luz da razão, a vida dos animais. Esta seria o tema genuíno da psicologia, pois só a vida dos animais decorre segundo impulsões psíquicas; quando a psicologia tem de explicar os homens, eles já regrediram e se destruíram. E quando os homens chamam a psicologia em seu socorro, o espaço reduzido de suas relações imediatas se vê ainda mais reduzido, mesmo aí eles são convertidos em coisas. O recurso à psicologia, para compreender o outro, é um gesto descarado; para a explicação dos próprios motivos, um gesto sentimental…

(…) O mundo do animal é um mundo sem conceito…
… O animal responde ao nome e não tem um eu…

(…) A transformação das pessoas em animais como castigo é um tema constante dos contos infantis de todas as nações. Estar encantado no corpo de um animal equivale a uma condenação… Todo o animal recorda uma desgraça infinita ocorrida em tempos primitivos. O conto infantil exprime o pressentimento das pessoas. Mas enquanto o príncipe conservou a razão, de tal modo que pôde exprimir na hora certa sua dor e ser assim resgatado pela fada, a falta de razão exila eternamente o animal em sua figura, a não ser que o homem que, pelo passado, se identifica com ele descubra a fórmula salvadora e com ela abrande no fim dos tempos o coração de pedra da eternidade.

Para o ser racional, porém, a solicitude pelo animal desprovido de razão é uma vã ocupação. A civilização ocidental deixou-a ao encargo das mulheres. Estas não tiveram nenhuma participação independente nas habilidades que produziram essa civilização. É o homem que deve sair para enfrentar a vida hostil, é ele que deve agir e lutar. A mulher não é sujeito. Ela não produz, mas cuida dos que produzem, monumento vivo dos tempos há muito passados da economia doméstica fechada. A divisão do trabalho imposta pelo homem foi-lhe pouco favorável. Ela passou a incarnar a função biológica e tornou-se o símbolo da natureza, cuja opressão é o título de glória dessa civilização
(…)

THEODOR W. ADORNO / MAX HORKHEIMER , Dialéctica do esclarecimento, JORGE ZAHAR EDITOR



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