Sobre_ ALI_SE
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a árvore ao jardim

Sobre a Cidade, o Pensamento e a Cidadania

Curiosamente encontrei na net este link sobre "CIDADE, PENSAMENTO, CIDADANIA", cujo texto faz referência ao meu ensaio Crenças e Poder - do Dever em não Devir, e pela extrema importância da questão a que o seu autor alude na respectiva comunicação que apresentou em Maio deste ano no Congresso Internacional de Filosofia e em que um dos objectivos desse mesmo congresso era o de promover a reflexão sobre a contribuição da filosofia na construção de uma sociedade que valorize o humano em todas as suas dimensões, não resisti a transcrever este excerto de LUÍS CARLOS BOA NOVA VALÉRIO:

(…) A propósito da alegria que falta nessa alma, como dizia Holanda, cada vez que pensamos em fundar nossos projectos mais importantes, é justamente a tristeza que nos transforma em críticos grandiloquentes da nação, da família, da escola, de nós mesmos. Críticos apassivados, porque distantes do labor da política, mergulhamos na saudade de uma pátria que nunca chega.
Como diria a artista plástica portuguesa Alice Valente Alves, em seu texto Crenças e poder – do dever em não devir, nós temos muita urgência em resolver nossos deveres, mas nenhuma pressa com os nossos devires. Os devires do corpo, do pensamento, da cidade, da cidadania, da formação, são transcursos sem normas, sem obediências, sem grandiloquências; não são caminhos para nos entreter, ou como diz Alice
Tal como depreendemos do clássico estudo da alma cidadã brasileira feito por Holanda, inclusive quando ele analisa com tanta profundidade a exacerbada cordialidade que habita o carácter do brasileiro (1983, p. 101 ss.), Alice, na citação acima, converge para os mesmos pontos de Holanda. Ela traduz as relações de dever com a crença e o entretenimento, e quando diz que o entretenimento “é uma forma de fazer esquecer ou diluir o pensamento”, isto se junta ao “desleixo” e a “saudade” e até mesmo a falta de alegria de que falavam Holanda e Bell. O pensamento que é uma cidade, que exerce uma cidadania sob os hábitos de uma formação de feitoria, que se obscurece na comodidade da sua cidadela, só contribui para uma ética da infelicidade ou do entretenimento fútil. Porque nos sentimos muitas vezes constrangidos quando ensinamos filosofia, justamente porque parece que apenas a estamos comentando, cabe perguntar sempre: que fazemos quando leccionamos filosofia? Estamos buscando devires ou apenas reiterando deveres?
Nossa cidade, pensamento, cidadania e formação necessitam de respostas a estas questões.

SABER a Aprender ou aprender a ...

Imitar é fazer qualquer coisa para estar bem igual aos outros.
Variável ou invariavelmente, a existência faz-se dos que não gostam de imitações assim como dos que querem muitas imitações. Será que o imitar é preciso ou necessário na mesma medida e proporção da não imitação?
Deixai pois, equilibrada ou desequilibradamente, acordados e em que concórdia, os que imitam e os que não imitam.
É verdade que é muito fácil imitar, para os que só sabem imitar.
E também é verdade que é muito fácil não imitar, para os que não sabem imitar.
E porque é verdade que os que só sabem imitar, é-lhes muito difícil não imitar.
E porque também é verdade que os que não sabem imitar, é-lhes muito difícil imitar.
[Composição: em sabem substitua-se, antes por aprenderam a]
Os caprichosos guerreiros das sucedâneas vias do que é inteligível, quando se descobrem numa qualquer imitação à possível formulação em formatados modelos de um domínio reinante, e por muito a temerem, não deixam mais espaço para a não imitação. É a lei de um usual e conhecido «conhecimento» reiterado por muitos e selváticos descobridores, achados em que conhecedores de quais conhecimentos dominantes, no faça-se a vontade obrigatoriamente!
E o que acontecerá no império do domínio com os que não sabem imitar ou com os que não gostam de imitar?
- Pela não imitação na obra da vida, sem mais lutas, competições ou escolásticas e em que entendimento, aprender-se-á naturalmente a saber o que é resistir!
E o que é a não imitação?
- A origem!

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(…)
É habitual dizer-se: - Tens de ter força de vontade! E desde muito criança que eu perguntava a mim mesma, mas como é que se tem força de vontade, se há pessoas que não gostam do que estão a fazer em suas vivências? E observava as pessoas que não conseguiam ter essa tal, de dita força de vontade e, não a tinham, precisamente porque não conseguiam ser elas mesmas, por tão hostilizadas ou porque com personalidades não combativas ou não agressivas e por sensíveis, a serem tidas de fracas, tinham sempre de se artificializar a serem obrigadas a imitar um qualquer modelo já existente e até seguirem rumos de vida de contra-natura em suas formas de ser e estar.
E todas estas dúvidas resultaram no seguinte, sim até poderemos ter essa tal de dita força de vontade, mas a valorizar para primeiro plano, o DESEJO e o DESEJAR. E o DESEJO o que é? Muito cedo comecei por entender que o Desejo era o Melhor ou a excelência do nosso interior (Pensar) e só conseguiríamos ter força de vontade se estivéssemos bem com essa tal interioridade ou esse TODO interior presente no DESEJO. Ao passo que tudo aquilo que nos era imposto pelos outros como obrigatório, a todos a níveis, para se viver em subsistência, social ou hierarquicamente, seria a tal de dita VONTADE. E essa Vontade, que os outros nos impunham poderia ser terrífica e poderia ser prejudicialmente perigosa, em que as pessoas tornavam-se tendencialmente más dependendo dos interesses e proveitos e muito raramente se tornariam boas, somente se houvesse uma contradição dessa Vontade a enaltecer o Desejo como prioridade. Os desejos ou o DESEJO são pois, tudo aquilo que de melhor existe dentro de nós ou seja, tudo aquilo de que somos feitos em VERDADE e se bem “alimentados” será então possível existir essa tal de dita Força de Vontade. E quando eu digo bem alimentados refiro-me ao ter-se a possibilidade de imaginar (sonhar), criar e cuidar, só presente no que é artístico e que por sua vez, se manifesta quer pela contemplação, concepção ou realização artísticas.
(…)

crucificados



CRUCIFICADOS:
OS QUE AGUARDAM DE BRAÇOS ABERTOS
POR ABRAÇOS QUE JAMAIS VIRÃO.
*

 ALICE  VALENTE    


A Técnica e o Mundo sem Imagem

- OCTÁVIO PAZ e a POESIA como a verdadeira vida -


(…) O crescimento do eu ameaça a linguagem em sua dupla função: como diálogo e como monólogo. O primeiro se fundamenta na pluralidade; o segundo na identidade. A contradição do diálogo consiste em que cada um fala consigo mesmo ao falar com os outros; a do monólogo em que nunca sou eu, mas outro, o que escuta o que digo a mim mesmo. A poesia sempre foi uma tentativa de resolver esta discórdia através de uma conversão de termos: o eu do diálogo no tu do monólogo. A poesia não diz: eu sou tu; diz: meu és tu. A imagem poética é a «outridade»*. O fenómeno moderno da incomunicação não depende tanto da pluralidade de sujeitos quanto do desaparecimento do tu como elemento constitutivo da consciência. Não falamos com os outros porque não podemos falar connosco mesmo. Mas a multiplicação cancerosa do eu não é origem e sim o resultado da perda da imagem do mundo. Ao sentir-se só no mundo, o homem antigo descobria o seu próprio eu e, assim, o dos outros. Hoje não estamos sós no mundo: não há mundo. Cada lugar é o mesmo lugar e nenhum está em todas as partes. A conversão do eu em tu – imagem que compreenda todas as imagens poéticas – não pode realizar-se sem que antes o mundo reapareça. A imaginação poética não é invenção mas descoberta da presença. Descobrir a imagem do mundo no que emerge como fragmento ou dispersão, perceber no uno o outro, será devolver à linguagem sua virtude metafórica: dar presença aos outros. A poesia: procura dos outros, descoberta da «outridade».
Se o mundo como imagem se desvanece, uma nova realidade cobre toda a terra. A técnica é uma realidade tão poderosamente real – visível, palpável, audível, ubíqua – que a verdadeira realidade deixou de ser natural ou sobrenatural: a indústria é a nossa paisagem, nosso céu e nosso inferno. Um templo maia, uma catedral medieval ou um palácio barroco era alguma coisa mais do que monumentos: pontos sensíveis do espaço e do tempo, observatórios privilegiados de onde o homem podia contemplar o mundo e o transmundo como um todo. Sua orientação correspondia a uma visão simbólica do universo; a forma e a disposição de suas partes abriam uma perspectiva plural, verdadeira encruzilhada de caminhos visuais: para cima e para baixo, na direcção dos quatro pontos cardeais. Ponto de vista total sobre a totalidade. Essas obras não só eram uma visão do mundo, como estavam feitas segundo a sua imagem: eram uma representação da figura do universo, sua cópia ou seu símbolo. A técnica se interpõe entre nós e o mundo, fecha toda perspectiva à nossa mirada: para além de suas geometrias de ferro, vidro ou alumínio não há rigorosamente nada, excepto o desconhecido, a região do informe ainda não transformada pelo homem.
A técnica não é nem uma imagem nem uma visão do mundo: não é uma imagem porque não tem por objecto representar ou reproduzir a realidade; não é uma visão porque não concebe o mundo como figura, e sim como algo mais ou menos maleável para a vontade humana. Para a técnica o mundo se apresenta como resistência, não como arquétipo: tem realidade, não figura. Essa realidade não se pode reduzir a nenhuma imagem e é, ao pé da letra, inimaginável. O saber antigo tinha por fim último a contemplação da realidade, fosse presença sensível ou forma ideal; o saber da técnica aspira substituir a realidade real por um universo de mecanismos. Os artefactos e utensílios do passado estavam no espaço; os mecanismos modernos alteram-no radicalmente. O espaço não só se povoa de máquinas que tendem para o automatismo ou que já são autómatos, como é um campo de forças, um entrelace entre de energias e relações – algo muito distinto dessa extensão, ou superfície mais ou menos estável das antigas cosmologias e filosofias. O tempo da técnica é por um lado ruptura dos ritmos cósmicos das velhas civilizações; e por outro, aceleração e, por fim, abolição do tempo cronométrico moderno. De ambos os modos é um tempo descontínuo e vertiginoso que ilude, senão a medida, a representação. Em suma a técnica se funda em uma negação do mundo como imagem. E haveria ainda que acrescentar: graças a essa negação, há técnica. Não é a técnica que nega a imagem do mundo; é o desaparecimento da imagem que torna possível a técnica.
(…) A perda do significado afecta às duas metades da esfera, a morte e a vida: a morte tem o sentido que se lhe dá nosso viver; e este tem como significado último ser vida diante da morte. A técnica nada nos pode dizer sobre tudo isto. Sua virtude filosófica consiste, por assim dizer, em sua ausência de filosofia…

(…) A experiência da «outridade» abrange as duas notas extremas de um ritmo de separação e reunião, presente em todas as manifestações do ser, desde as físicas até às biológicas. No homem este ritmo se exprime como queda, sentir-se só em um mundo estranho, e como reunião, em acordo com a totalidade. Todos os homens, sem excepção, entreviram por um instante a experiência da separação e da reunião. No dia em que verdadeiramente… caímos no sem-fim de nós mesmos e o tempo abriu as suas entranhas e nos contemplamos com um rosto que se desvanece e uma palavra que se anula; na tarde em que vimos aquela árvore no meio do campo e adivinhamos, embora já não o recordemos mais, o que diziam as folhas, as vibrações dos céus, a reverberação do muro branco golpeado pela última luz; numa manhã estendidos na relva, ouvindo a vida secreta das plantas; ou de noite, diante das águas entre os altos rochedos. Sós ou acompanhados vimos o Ser e o Ser nos viu. É a «outra vida»? É a verdadeira vida, a vida de todos os dias. Sobre a outra que nos prometem as religiões, nada podemos dizer com certeza. Parece excessiva vaidade ou empolgamento com o nosso próprio eu pensar em sobrevivência; reduzir toda a existência ao modelo humano e terrestre revela certa falta de imaginação ante as possibilidades do ser. Deve haver outras formas de ser e talvez morrer seja apenas um trânsito. Duvido que esse trânsito possa ser sinónimo de salvação, ou perdição pessoal. Em qualquer caso, aspiro ao ser, ao ser que transforma, não à salvação do eu. Não me preocupa a «outra vida» além, mas só aqui. A experiência da «outridade», é aqui mesmo, a «outra vida». A poesia não se propõe consolar o homem da morte, mas fazer com que ele vislumbre que a vida e a morte são inseparáveis: são a totalidade. Recuperar a vida concreta significa reunir a parelha vida-morte, reconquistar um no outro, o tu no eu, e assim descobrir a figura do mundo na dispersão de seus fragmentos.

(…) O homem não vê o mundo: pensa-o. Hoje a situação transformou-se de novo: voltamos a ouvir, embora não possamos vê-lo…
(…) Se o homem é transcendência, ir mais além de si mesmo, o poema é o signo mais puro desse contínuo transcender-se, desse permanente imaginar-se. O homem é imagem porque se transcende. Talvez consciência histórica e necessidade de transcender a história não sejam mais do que os nomes que agora damos a este antigo e perpétuo desgarramento do ser, sempre separado de si. O homem quer identificar-se com suas criações, reunir-se consigo mesmo e com os seus semelhantes: ser o mundo sem cessar de ser ele mesmo. Nossa poesia é consciência da separação e tentativa de reunir o que foi separado. No poema, o ser e o desejo de ser pactuam por um instante, como o fruto e os lábios. Poesia, momentânea reconciliação: ontem, hoje, amanhã; aqui e ali; tu, eu, ele, nós. Tudo está presente: será presença.

(*) O autor usa o termo otredad, um neologismo. A tradução para outridade é também um analogismo

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