"Debtocracy" (em português, Dívidocracia) é um documentário sobre a crise da dívida grega, e procura as causas/responsáveis pela crescente dívida pública na Grécia e propõe soluções distintas das que têm sido impostas ao povo grego pelo Governo, pela UE e pelo FMI.
Um documentário sobre a crise financeira, mundial, europeia e grega
de
Aris Chatzistefanou e Katerina Kitidi
Aris Chatzistefanou e Katerina Kitidi
Investigação: Leonidas Vatikiotis
Música: Yiannis Aggelakas, Ermis Georgiadis, Aris RSN
DIVIDOCRACIA
Edição: Aris Triantafyllou
(1ª PARTE)
(Dominique Strauss-Khan, Director Geral do FMI) - E, por uma vez, vou fazer uma comparação com médicos. Temos aqui um paciente engessado. Não se virem contra o médico. Às vezes ele tem de prescrever remédios desagradáveis, mas mesmo que não gostemos do remédio, o médico só está a tentar ajudar-nos.
Como se costuma dizer, a história tem este hábito desgraçado de se repetir como “farsa”. Por isso, de um ditador/pseudo-médico, passamos para a fase dos médicos do FMI.
(Andreas Papandreou, PM da Grécia, 1981-90, 1993-96) - Todos temos de participar na luta plenamente conscientes de que ou a nação destrói esta dívida imensa, ou a dívida imensa destrói a nação.
(Constantinos Mitsotakis, PM da Grécia, 1990-93) - Este ano, a política salarial vai ser rígida e austera. Não vai haver aumentos de qualquer espécie.
(Costas Simitis, PM da Grécia, 1996-2004) - Não temos outro remédio senão acabar com benefícios e reduções fiscais.
(Costas Karamanlis, PM da Grécia, 2004-09) - Temos de cortar na despesa pública, temos de arrumar a casa. E isto não se consegue com as suas promessas vazias de distribuir dinheiro e privilégios em tempos de crise como estes.
(Giorgos Papandreou, PM da Grécia) - Infelizmente, o nosso país está nos cuidados intensivos. O impasse fiscal da nação ameaça a nossa soberania pela primeira vez desde 1974.
Nos últimos 40 anos, dois partidos políticos e três famílias de políticos, juntamente com alguns empresários, levaram o país à bancarrota. Suspenderam os pagamentos devidos às pessoas, para salvar os credores.
Após décadas de austeridade contínua, os czares da economia anunciaram que a Grécia passara a ser uma super-potência financeira.
(Yannos Pappantoniou, Min.Finanças, 1994-2001) - Fizemos um excelente trabalho. Fomos os primeiros a resolver os problemas económicos.
(N. Christodoulakis, Min.Finanças, 2001-04) - Mais uma vez, a nossa economia vai demonstrar que é o nosso principal trunfo.
(Yannos Papantoniou, Min.Finanças, 1994-2001) - A economia deu um salto em frente e foi promovida da divisão de honra à primeira liga.
Quando o que haviam criado se desmoronou, estas pessoas andaram dizendo, nas nossas costas, que, devido a uma perturbação genética qualquer, éramos incapazes de gerir a nossa economia sem a ajuda externa.
(Yannos Papantoniou, Min.Finanças, 1994-2001) - Talvez os americanos tenham alguma dificuldade em perceber isto, mas a Grécia é incapaz de exercer controle ou disciplina.
O nosso governo nos chama de parasitas, e os nossos credores porcos (PIIGS) como em todos os países periféricos da EU. E os nossos ministros tentaram convencer-nos de que todos somos responsáveis.
(Brian Lenihan, Min.Finanças Irlanda, 2008-11) - Reconheço que falhámos em termos do nosso sistema político. Mas sejamos francos, todos fizemos parte disso.Respondendo às pessoas que acusam os políticos do país perguntando-nos o que fizemos com o seu dinheiro: “Nós os tornámos funcionários públicos” Todos contribuímos para a actual situação.
Ou seja, seremos os filhos pródigos de uma economia global limpa numa Europa de sucesso? Ou estará o sistema doente desde tenra idade?
A Câmara do Comércio dos EUA apresenta:
“Isto diz respeito a todos”
Destino – Terra
(COSTAS LAPAVITSAS - Professor de Economia) - A economia capitalista no período pós-guerra divide-se em duas partes. Nos primeiros 25 anos depois da Segunda Guerra Mundial, a taxa de crescimento foi alta. O rendimento real aumentou tal como o consumo de bens. Foram circunstâncias inéditas na história do capitalismo.
“Joe é o maior porque consegue comprar mais com o seu salário do que qualquer outro trabalhador.”
(DAVID HARVEY - Cientista Social) - Não existe capitalismo sem crises. Por isso vai haver sempre uma crise em algum lugar.
(COSTAS LAPAVITSAS - Professor de Economia) - Este período feliz terminou em meados dos anos 70. A partir de então, entramos num período de menor crescimento e crises cíclicas, pequenos aumentos de salários, quando houve algum, e níveis altos de desemprego. Os países capitalistas mais desenvolvidos começaram a ter dificuldade em acumular riqueza.
(DAVID HARVEY - Cientista Social) - Essa crise foi a consequência do poder do trabalho, que nessa altura era muito forte nas principais regiões capitalistas, na Europa e América do Norte. O resultado foi um grande peso do valor dos salários, os sindicatos estavam bem organizados, eles tinham um grande poder sobre o Estado nas eleições. Mas isto era um problema para o capital. Por isso, eles tiveram de disciplinar o trabalho, e fizeram-no de várias formas. Fizeram-no principalmente através da abertura da economia nacional à competição global, abrindo acesso aos recursos mundiais de mão-de-obra. Assim que, como é óbvio, a China entrou em cena.
(COSTAS LAPAVITSAS - Professor de Economia) - Este período foi marcado por um enorme crescimento do sistema financeiro, a que se chamou Financeirização. A Financeirização provocou e intensificou as crises.
(DAVID HARVEY - Cientista Social) - O capital podia deslocar-se para onde quisesse, com acesso abundante a mão-de-obra barata do mercado. E depois surgiu o problema de como vender as mercadorias se o poder de compra desapareceu. E a resposta foi dar crédito a toda a gente. E assim tivemos a invenção da economia de crédito que ganhou força nos anos 80 e 90 para cobrir a diferença entre o que os trabalhadores recebiam e aquilo que compravam. E foi nessa altura que muitas pessoas perceberam, no fim dos anos 90, 2000, que isto era a parte insustentável. Mas foi a forma como escapámos à crise dos anos 70 que abriu caminho para este tipo de crise.
Quando a bolha imobiliária dos EUA rebentou, o sistema financeiro este muito perto do colapso total. Em consequência, afectou a economia real, que já tinha os seus próprios problemas estruturais. Os EUA tomaram medidas de salvamento e recorreram ao dinheiro dos contribuintes para salvar os bancos e repor procura. E assim, a crise financeira tornou-se fiscal. E os mesmos bancos que foram salvos pelo dinheiro dos contribuintes decidiram morder a mão que os alimentou, fazendo apostas com a bancarrota dos estados.
A especulação também veio piorar as coisas na Grécia. Só que, desta vez, o problema foi ainda mais grave. Chegou a hora da zona Euro pagar.
E o rei Euro afinal vai nu, sobretudo porque é um rei sem estado.
(SAMIR AMIN - Economista) - Não é possível uma moeda sem um estado. Apesar das fraquezas, uma das vantagens do dólar americano, entre outras coisas, é a existência de um estado chamado EUA. A Europa não existe enquanto entidade política. Não existe um poder político legítimo que una os estados-membros. Na minha opinião a Zona Euro não é viável.
Ao contrário dos EUA, onde o governo federal e o sistema de Reserva Federal intervêm para diminuir as desigualdades entre estados, a Zona Euro reforça a desigualdade. Foi assim que os PIIGS, os parentes pobres da EUA, vieram ao mundo.
Ao contrário dos EUA, onde o governo federal e o sistema de Reserva Federal intervêm para diminuir as desigualdades entre estados, a Zona Euro reforça a desigualdade. Foi assim que os PIIGS, os parentes pobres da EUA, vieram ao mundo.
(COSTAS LAPAVITSAS - Professor de Economia) - A Zona Euro está dividida, de forma muito clara, em estados centrais e periféricos. A crise faz-se sentir com mais intensidade nos estados periféricos. Os estados centrais, especialmente a Alemanha, saem vencedores por causa do Euro. A competitividade nos estados da EU acaba por variar muito e a competitividade dos países periféricos tem ficado constante e sistematicamente para trás. Isto deveu-se directamente ao Euro.
(ÉRIC TOUSSANT - presidente do CADTM - Comité para a Abolição da Dívida do Terceiro Mundo) - A crise foi um resultado do modo como foi feita a integração europeia. No caso da Grécia, era como colocar o Muhammad Ali no campeonato mundial de pesos pesados, no ringue com um peso-pluma, e dizer aos dois: “comecem a lutar e vamos ver quem ganha”.
Porque é que os países periféricos estão a ficar para trás em termos de competitividade? E acima de tudo, o que faz com que esta divergência não pare de aumentar?
O mito da “periferia preguiçosa” e da “ Alemanha esforçada” com a sua “alta produtividade”, não passa disso mesmo. Tudo o que o governo alemão conseguiu foi declarar guerra aos seus próprios trabalhadores e congelar-lhes os salários durante uma década.
(SAHRA WAGENKNECHT - Vice Presidente, Die Linke) - Nos últimos anos, o aumento nominal dos salários (na Alemanha) foi de 7%, enquanto na Zona Euro foi de 27%. Esta diferença resulta, logicamente, numa perda de competitividade dos outros países. Se os salários diminuem num país ao mesmo tempo que aumentam nos restantes, não é de estranhar que a competitividade da economia alemã tenha disparado enquanto os outros países tenham sido incapazes de a acompanhar.
Os países da Zona Euro já não podem desvalorizar as respectivas moedas. Isto resultou na instituição de um mecanismo que levaria inevitavelmente aos resultados que temos hoje.
(COSTAS LAPAVITSAS - Professor de Economia) - A perda de competitividade manifestou-se de duas formas, e ambas desempenharam um papel decisivo na crise. Em primeiro lugar, surgiram grandes deficits nas transacções correntes, e a Grécia tinha o maior deficit de todos. Quando não é possível competir, as transações com o resto do mundo resultam em deficit. E o deficit grego é enorme. Mas isto também é verdade para os outros países periféricos. Este fenómeno foi paralelo à acumulação de dívidas. Quando se tem um deficit destas dimensões, é necessário equilibrá-lo de algum modo. (15:21) 16:03
(2ª PARTE - 16:06)
(SAMIR AMIN - Economista) - Na EU, a Grécia é o parente pobre. A Grécia pertence aos países semiperiféricos do continente europeu. É óbvio que a Grécia estava condenada a acumular dívida pública, dadas as circunstâncias da sua integração nos mercados europeus. Não vale a pena sequer comentar o rumor de que os gregos são preguiçosos. Isso é puro racismo.
A zona Euro destrói o sistema imunitário dos países periféricos, deixando-os expostos à crise global. O calcanhar de Aquiles destes países é o deficit e a dívida. No nosso caso, a dívida tem raízes profundas na história do estado grego.
(MANOLIS GLEZOS – figura histórica da esquerda grega) - Desde os tempos da Revolução de 1821, o nosso país começou a pedir empréstimos e o tem feito desde então. Com uma única excepção. Durante um período extraordinariamente “feliz”, a Grécia conseguiu tornar-se credora. Durante a ocupação alemã, a Grécia emprestou dinheiro à Alemanha. Os alemães obrigaram a Grécia a tornar-se credora em vez de devedora.
Quando a ocupação alemã chegou ao fim, o país voltou ao seu papel tradicional, o de devedor. E a dívida pública que vemos hoje começou a crescer nos anos 80.
(COSTAS LAPAVITSAS - Professor de Economia) - Os altos níveis de endividamento público na Grécia estão associados à estrutura social e de classes da Grécia. Até o tipo de economia que a Grécia assumiu nas últimas décadas está relacionado com a incapacidade sistemática do estado grego de implementar um sistema de tributação justo e eficaz.
HISTÓRIA DA DÍVIDA SOBERANA GREGA:
- Andreas Papandreou fundou o necessário estado social sem aumentar a carga fiscal sobre empresas e rendimentos mais elevados. Salvou empregos ao nacionalizar empresas privadas que davam prejuízo. Mas principalmente salvou os donos das empresas. O deficit público e dívida soberana aumentaram dramaticamente.
- O governo de Mitsotakisí continuou a contrair empréstimos. O Tratado de Maastricht impôs os mercados mundiais como único mecanismo para controlar o deficit, proibindo outras formas de criar dinheiro. A dívida disparou, com as taxas de juro mais altas da história da Grécia.
- Costas Simitis teve maior sorte. “Contabilidade criativa”, a queda dos juros europeus, e o crescimento económico ajudaram-no. E assim pôde esconder a bomba que plantou na dívida soberana. A percentagem da dívida pareceu diminuir ligeiramente.
- Costas Karamanlis diminuiu os impostos sobre o capital em 10%, a queda livre da economia se acentuou, e a dívida voltou a explodir.
- George Papandreou entrou em cena, lançando a Grécia para os braços dos credores estrangeiros. No fim do “Mnemonium”, a dívida soberana chegou aos 167% do PIB. FIM
A maior parte dos países em situação semelhante recebeu a visita do FMI. Mas nenhum pagou tão caro como o Argentina, o espelho da Grécia do outro lado do Atlântico.
A Argentina caiu na armadilha da dívida ao mesmo tempo que a Grécia, em 1824, com os primeiros empréstimos britânicos. Mas o nó foi apertando no fim do século XX. A Argentina garantiu uma taxa fixa para a conversão entre peso e dólar americano, o que impossibilitou a execução de qualquer política monetária. A Argentina viveu a sua própria Zona Euro. Só que, em vez da Alemanha, tinham pela frente Washington DC
(Mr Camdessus – Director-geral do FMI, 1987-2000) … numa forma de entrar no novo século de uma forma, muito, muito sólida.
Ao mesmo tempo, o FMI transformava o país em mais um laboratório de experiências do neoliberalismo.
(Excerto do DOCUMENTÁRIO ‘THE TAKE’) - Em primeiro lugar, o FMI teve um papel determinante na origem da crise na Argentina, implementando as mesmas políticas de desregulamentação e privatização que levaram aos enormes lucros corporativos mas que realmente destruíram as finanças do Estado.
(GERARD DUMENIL - Economista) - Eles eram, de forma muito clara, os agentes do poder dos EUA no mundo, assim como eram, de forma muito clara, os agentes do neoliberalismo ou seja, os agentes das classes altas das empresas neoliberais em que o único objectivo era aumentar os rendimentos de forma formidável, mas fizeram-no, fizeram-no à custa desta crise.
Depois do colapso económico da Argentina em 2001 o FMI e as suas teorias neoliberais caíram no ridículo perante economistas do mundo inteiro. Mas há monstros que se recusam a morrer.
(Excerto do DOCUMENTÁRIO ‘THE TAKE’) - O FMI é como uma instituição ‘zombie’. Não é possível matá-lo.
O FMI ressurgiu como a personagem que vem “salvar” os países em problemas, impondo medidas de austeridade como está acontecendo pela Europa, e de uma forma perversa e aterradora na Grécia. E não há qualquer sinal de que esta intiituição aprendeu seja o que for da experiência da Argentina.
(Tenho 3 filhos e estou desempregado, por favor ajude-me)
A intervenção do FMI do FMI vai sair muito cara à Grécia. E, em alguns casos vai até pagar adiantado.
(Ron Paul – Congressista republicano) - A ironia desta promessa é que, com este novo acordo, com este aumento, a Grécia vai contribuir com 2,5 mil milhões de dólares (para o fundo do FMI). Acho que só um sistema monetário fiduciário (sem relação directa com bens, como ouro) está pronto para salvar outros países.
(Ben Bernanke – Presidente da Reserva Federal) (a ouvir e com ar sorridente)
A Argentina só teve de enfrentar o FMI. Mas a Grécia acabou servindo a dois senhores. Porque, na Europa, as teorias neoliberais também são promovidas pelo Banco Central Europeu.
(GERARD DUMENIL - Economista) - O Banco Central Europeu foi uma ferramenta para a imposição de políticas neoliberais na Europa.
(COSTAS LAPAVITSAS - Professor de Economia) - Ironicamente, no caso da Grécia, o FMI foi mais brando do que a EU.
As medidas aplicadas em colaboração com o FMI, o BCE e a EU (troika) são apenas injustas e perigosas para o povo grego, também estão condenadas a falhar desde o princípio.
(COSTAS LAPAVITSAS - Professor de Economia) - Têm um impacto trágico na qualidade de vida das pessoas, e até no seu quotidiano. E é muito improvável que tenham um efeito positivo na economia em geral, e na gestão da dívida pública.
Como na Argentina, o objectivo não foi salvar a economia, mas primeiramente os bancos e as grandes empresas.
(Excerto do DOCUMENTÁRIO ‘THE TAKE’)documentário ‘The Take’) - O FMI fez uma enorme pressão para que a Argentina pagasse as dívidas. Muitas dessas dívidas cresceram, ou melhor, explodiram devido à transferência de dívida das grandes corporações, incluindo alguns dos maiores bancos do mundo, para o erário público, algo que o FMI também forçou.
(COSTAS LAPAVITSAS - Professor de Economia) - As medidas agora tomadas são medidas de estabilização que visam evitar que a Grécia se veja impedida de cessar os pagamentos acertados. Não são medidas para reduzir a dívida. É mais do que óbvio que a dívida vai continuar a aumentar a passos largos, independentemente das medidas e, aliás, precisamente por causa delas. As medidas visam claramente proteger os credores e proteger os bancos.
Em poucos meses, o governo grego deu aos bancos 108 mil milhões de Euros, o que equivale praticamente à totalidade do pacote de ajuda recebido do FMI e da EU.
(Excerto de imagens do documentário SOCIAL GENOCIDE)
Quando a Argentina viveu uma situação semelhante, muitos dos responsáveis foram punidos. A imagem dos presidentes deixando o palácio presidencial de helicóptero ainda persegue tanto o FMI como os seus colaboradores.
Numa noite mágica como na Argentina, ainda vamos ver quem é que vai ser o primeiro a saltar do helicóptero.
Um ano depois da intervenção do FMI: A Grécia enveredou por um programa intensivo de “procedimentos de purga”, “utilização de activos”, medidas de “racionalização” e “limpezas”.
Os delegados do FMI, da EU e do BCE (troika) mudaram-se permanentemente para Atenas e estão impondo as suas políticas através de um memorando insconstitucional.
(Dominique Strauss-Kahn – Director-geral do FMI) - Um marco histórico foi atingido agora com a reforma das pensões, mas a principal questão agora é alinhar o valor dos salários com a produtividade.
MANOLIS GLEZOS – figura histórica da esquerda grega) - O que é hoje a Grécia? Somos um país livre? Sim. Somos independentes? Não, fomos reduzidos a vassalos. A liberdade é uma coisa, e a soberania outra bem diferente. O problema do nosso país é ter perdido a soberania.
Em plena colaboração com os credores estrangeiros, o governo ataca as pessoas com medidas extremamente austeras. O resultado é pobreza, empresas quebrando e desemprego.
(N. KANAKIS – Pres. Médicos do Mundo na Grécia) - Consideramos que o centro de Atenas está simplesmente a deambular pelas ruas vivendo uma crise humanitária. Todos os sintomas estão lá. Gente com fome ou sem casa, sem acesso a medicamentos ou cuidados de saúde, simplesmente deambulando pelas ruas. Não é muito diferente do que vemos nos países do terceiro mundo.
Lembrem-se que nós trabalhamos com os mais pobres dos pobres. Há pessoas que ainda mantêm alguns direitos em termos de segurança social, mas isso não basta, como nos explicou um pensionista pobre.
Disse ela: “Ou compro comida ou medicamentos. Não dá para as suas coisas.”
As medidas do governo não estão apenas agravando as condições de vida das pessoas. Elas constituem uma ameaça directa a suas vidas.
(PANOS PAPANICOLAOU – Neurocirurgião) - Até agora, em todos os países que receberam ‘ajuda’ financeira do FMI registou-se uma queda dramática no tempo médio de vida das pessoas, o que normalmente designamos como esperança média de vida. Há países onde, depois da chegada do FMI, a esperança média de vida caiu 5 a 10 anos. Com os cortes com que estamos enfrentando agora, é certo que a nossa esperança média de vida será imensamente reduzida.
As pessoas reagem.
(3ª PARTE - 31:09)
A resposta do governo viola os princípios mais básicos da democracia. A proibição de usar capuz, as prisões injustificadas e os policiais de capacete colocam-nos na fronteira de um estado militar.
“O gás lacrimogéneo deixa-nos sem dinheiro para a educação gratuita.”
(ALAIN BADIOU - Filósofo) - As crises resolvem-se sempre através de medidas que atacam a sociedade e os pobres. E podem ser particularmente duras. É assim que o capitalismo controla a situação. O problema do capitalismo é fazer com que as medidas sejam aceites. E para isso recorrem à violência.
Em resposta ao alerta de “vendaval financeiro”, a democracia dá lugar à “dividocracia”.
“Pobres, não se comam uns aos outros!
Comam os ricos, que são mais carnudos!”
(ALAIN BADIOU - Filósofo) - A crise do capitalismo gera uma vasta desvalorização. O valor se perde, graças à especulação financeira. Alguém tem de pagar esta desvalorização. Mas os capitalistas não têm qualquer intenção de serem eles a pagar, não são propriamente altruístas.
Mas se quem causou a crise faz questão de não a pagar, porque é que temos de ser nós quem a paguemos?
No passado, vários países conseguiram repudiar as dívidas não contraídas pelos seus cidadãos, de acordo com as disposições da legislação internacional, tal como o conceito de “dívida odiosa”.
“A HISTÓRIA DA DÍVIDA ODIOSA”
A nossa história começa nos anos 20, com Alexander Sack. Sack era ministro e especialista em assuntos legais na Rússia czarista. Depois da Revolução de 1917, deu aulas em universidades na Europa e nos EUA. Em 1927, inventou um conceito genial: o conceito de “dívida odiosa”.
Para definir uma dívida como odiosa, é necessário cumprir três pré-requisitos. 1. O governo de um país recebe um empréstimo sem o conhecimento ou aprovação dos cidadãos. 2. O empréstimo é gasto em actividades que não beneficiam os cidadãos. 3. Os credores estão cientes desta situação, mas fingem não o saber.
As propostas de Sack podem parecer progressistas e até revolucionárias. Na verdade, na altura, não serviram os interesses de uma superpotência emergente: Os Estados Unidos da América. Os EUA tinham sentido falta do conceito de “dúvida odiosa” em 1898, quando venceram a Guerra Hispano-Americana e anexaram Cuba. O problema foi que, para além de Cuba, também ficaram com as dívidas contraídas pelo regime colonial espanhol. E como o colonialismo espanhol durou quatro séculos, desde 1492, quando Colombo chegou à América, até 1898, a dívida era imensa.
Como é óbvio, os EUA não tinham intenção de pagar pelos erros dos regimes anteriores. Decidiram que a dívida cubana era odiosa. E pura e simplesmente recusaram-se a pagá-la.
O mesmo se passou no México umas décadas antes. Quando os republicanos derrubaram o imperador Maximiliano I, decidiram que as dívidas que ele tinha contraído eram odiosas. Maximiliano pediu muito dinheiro emprestado, a taxas de juro demasiado altas, para enfrentar a revolta contra ele. E como devia muito, sobretudo aos mexicanos, foi condenado à morte, e enviado para o pelotão de fuzilamento.
(04:46) Entre o final do séc. XIX e início do séc. XX, a maior parte dos casos de dívida odiosa estiveram relacionada com países subdesenvolvidos no continente americano. Mas houve uma super-potência emergente envolvida em todos estes repúdios da dívida: os Estados Unidos da América. E esta mesma super-potência trouxe o conceito de dívida odiosa até ao séc XXI.
Dezembro de 2002: a Casa Branca está dando os retoques finais nos planos de invasão e ocupação do Iraque. Porém, antes do início dos ataques, os americanos já estão preparando o dia seguinte à derrubada de Saddam Hussein. O Departamento de Estado sabe que vai ter de resolver o problema da enorme dívida pública iraquiana. Por isso, estão tentando provar que se trata de uma dívida odiosa. Foi criada uma equipe, que propôs que o primeiro governo provisório do Iraque declarasse a cessação dos pagamentos da dívida, com o pretexto de que os iraquianos não tinham de pagar uma dívida contraída pelo regime iraquiano. Agora, está tudo a postos para o ataque.
(George W. Bush) - Caros concidadãos, a esta hora as forças americanas e dos seus aliados estão executando as primeiras operações militares para desarmar o Iraque para libertar o seu povo e defender o mundo de um grande perigo.
(ÉRIC TOUSSANT - presidente do CADTM - Comité para a Abolição da Dívida do Terceiro Mundo) - Em Março de 2003, os EUA e os aliados invadiram o Iraque. Três semanas mais tarde, o Secretário de Estado do Tesouro americano convocou uma reunião de cúpula dos ministros das finanças do G8, em Washington, e anunciou que a dívida de Saddam Hussein era odiosa. Ele disse: “o regime de Saddam Hussein é ditatorial e a dívida deve ser repudiada”. “O novo governo do Iraque deve ser libertado das dívidas de Saddam”.
(George W. Bush) - As grandes operações militares no Iraque terminaram. Na guerra do Iraque, os EUA e os nossos aliados prevaleceram.
George W. Bush deu instruções ao antigo secretário de Estado James Baker para convencer a comunidade internacional de que a dívida iraquiana era odiosa. Baker alegou que Saddam Hussein desperdiçava o dinheiro do seu povo construindo palácios e comprando armas. Entre outras coisas, os diplomatas americanos provaram que o Iraque devia milhares de milhões de dólares à França, pela compra de mísseis Exocet e aviões de guerra como Mirage F1 e MiG.
Na verdade, o comportamento de Saddam Hussein não era diferente daquilo que muitos líderes ocidentais fazem. Para os árabes, os palácios são o que os Jogos Olímpicos são para o Ocidente: uma ostentação de poder económico e geopolítico. A diplomacia americana conseguiu provar que a dívida do Iraque era odiosa e que o povo iraquiano não era obrigado a pagá-la. Mas Washington percebeu logo em seguida que tinha aberto uma caixa de Pandora. Pela primeira vez no Século XXI, a maior superpotência tinha legitimado o conceito da dívida odiosa. Por isso, optaram por varrer o assunto para debaixo do tapete.
(ÉRIC TOUSSANT - presidente do CADTM - Comité para a Abolição da Dívida do Terceiro Mundo) - Os outros países disseram «ok, vamos cortar 80% da dívida através do Clube de Paris. Mas o conceito da dívida odiosa não pode ser usado oficialmente, porque os outros países podem também alegar esse direito. Por exemplo, a Republica Democrática do Congo vai repudiar as dívidas de Mobutu. AS Filipinas vão recusar-se a pagar as dívidas do ditador Marcos. E a África do Sul vai recusar as dívidas do regime do apartheid.»
Para evitar que o conceito da dívida odiosa se propagasse no Século XXI, tomaram uma decisão ad hoc para o Iraque. Mas não deixa de ser óbvio para nós que a doutrina da dívida odiosa, foi usada.
(Obama) - Eu julgo que seria um erro se o Iraque tivesse que pagar pelos pecados de um ditador deposto.
Os EUA continuaram ajudando o Iraque a cancelar dívidas antigas, mas ninguém em Washington quis voltar a ouvir falar na expressão “dívida odiosa”.
O Iraque conseguiu cancelar grande parte da sua dívida com o apoio de um império. Mas outro país decidiu aguentar-se sozinho e enfrentar o FMI e os outros credores. Conseguiram provar que a sua dívida não era apenas odiosa, mas também ilegítima e inconstitucional. Bem-vindos ao Equador.
(RAFAEL CORREA - Presidente do Equador) - Temos compromissos nacionais, mais urgentes do que os internacionais. Cumpriremos com as nossas obrigações internacionais assim que pudermos. Mas as nossas prioridades são claras. A vida primeiro, pagar as dívidas depois.
O Equador podia ser um dos países mais ricos da América do Sul. Mas a partir do momento em que foi descoberto petróleo, tudo o que mais conheceu foram ditadores, pobreza, dívidas e mercenários económicos.
(John Perkins – Activista, antigo mercenário económico) - O meu verdadeiro trabalho era fechar negócios. Era dar empréstimo a outros países, grandes empréstimos, muito maiores do que eles alguma vez pudessem pagar. Uma das condições para o empréstimo de, por exemplo, mil milhões de dólares a um país como a Indonésia ou o Equador… Este país tinha de devolver 90% deste empréstimo a uma empresa ou empresas americanos para construir infraestruturas. A Halliburton e a Bechtel eram duas destas grandes empresas. E estas empresas iam lá construir uma rede eléctrica, portos ou auto-estradas. E isto só servia aos interesses de algumas das famílias mais ricas nestes países. Em última análise, os pobres desses países ficavam presos com esta dívida incrível, que eles nunca conseguiriam pagar.
Em 1982, o FMI visitou o Equador com um comité de especialistas, em representação dos maiores credores do país.
O Equador foi forçado a pedir emprestado, mais e mais, para poder cumprir obrigações antigas.
(HUGO ARIAS – Chefe da Comissão de auditoria) - O Equador foi continuamente saqueado pelos países do Norte. Por exemplo, de 1980-90, até 2005 quae 50% do Orçamento de Estado serviu para pagar dívidas. Nomeadamente, cerca de 3 a 4 mil milhões de dólares por ano. Apenas 4% foi empregue em cuidados de saúde. Quatro mil milhões para pagar os serviços da dívida, 400 milhões para a saúde. Quatro mil milhões para pagar os serviços da dívida, 800 milhões para a educação. Estávamos matando o nosso próprio povo.
Os equatorianos protestaram. Por um momento, tudo parecia estar sob controle, quando Lúcio Gutiérres tomou o poder, prometendo benefícios sociais. Falava como um socialista mas, mal tomou posse, fez um novo acordo com o FMI e implementou medidas de extrema austeridade.
(4ª PARTE - 46:04)
As pessoas decidiram que ele tinha de sair no meio do transporte dos presidentes argentinos: o helicóptero. O poder passou para o vice-presidente Palácio. Tinha boas intenções, mas não tardou a ceder a Washington. Por isso, as pessoas viraram-se para o único político que resistiu à pressão internacional. Rafael Correa.
(letra da música:)
Uma única volta. Correa. Uma única volta, Equador.
Triunfo é esperança. Somos um povo unido.
Avança a Aliança do Equador. Luta pela justiça.
Luta pelos teus direitos. Luta, Correa pelo Equador
Correa estudou Economia na Europa e nos EUA, e sabe muito bem como lidar com o Banco Mundial e o FMI, desde que haja vontade política.
(DAVID HARVEY - Cientista Social) - Em 2005, como ministro das Finanças, Correa declarou que não era normal utilizar os recursos petrolíferos de forma a pagar a dívida. Era injusto para o povo. Disse ainda que 80% das receitas petrolíferas deviam ser usadas em benefícios na saúde e na educação, e para criar emprego, e apenas 20% canalizadas para o pagamento da dívida. O Banco Mundial disse que não emprestaria dinheiro ao Equador se uma lei dessas fosse aprovada. Isto foi uma interferência clara na política interna do Equador. Correa declarou que jamais seguiria instruções deste tipo do Banco Mundial. Ele preferiu demitir-se a ceder, o que o tornou extremamente popular. As pessoas disseram: “Este homem optou por se demitir de ministro para defender a dignidade e os interesses do povo.”
Correa foi finalmente eleito em 2006. Uma das suas primeiras acções foi deportar o representante do Banco Mundial e pedir à delegação do FMI para abandonar as instalações do Banco Central. Representantes do FMI, como Bob Traa, que mais tarde viria para a Grécia, já tinham sido classificados de “indesejáveis” pelos equatorianos.
(RAFAEL CORREA - Presidente do Equador) - Estes burocratas insensíveis e desonestos têm de respeitar o nosso país. Foi por isso que deportámos o delegado do Banco Mundial e reservamos o direito de iniciar as acções necessárias pelos danos e prejuízos causados ao país. Assim como a declarar a nossa dívida ao Banco Mundial ilegítima.
Seis meses mais tarde, Correa deu mais um passo. Satisfez a reivindicação das organizações sociais de uma comissão de auditoria.
(DAVID HARVEY - Cientista Social) - Fui uma das pessoas que Correa escolheu para a comissão. Participaram 18 indíviduos e 4 organizações nacionais. A nossa missão foi examinar todos os contratos de dívida, entre 1976 e 2006. Trabalhámos durante 14 meses. Examinámos as dívidas obrigacionistas, as dívidas ao FMI, ao Banco Mundial, e a outras organizações internacionais. E examinámos a dívida a países como o França, o Japão e a Alemanha. Por fim, examinámos a dívida pública interna do Equador.
(HUGO ARIAS– Chefe da Comissão de auditoria) - A batalha pelo acesso à documentação foi tremenda. No ministério das Finanças, o nosso parceiro Alejandro Olmos Jr. E eu mesmo fomos declarados “personae non gratae”, e todos os funcionários do ministério das Finanças escreveram ao ministro a queixar-se e a denunciar as nossas acções, alegando que estávamos a prejudicar os funcionários do ministério. Nós rimo-nos disto, mas dá para perceber as dificuldades que enfrentámos depois de termos sido acusados de ser “os maus da história” nesse processo.
Apesar dos contratempos, a comissão conseguiu concluir os trabalhos, e chegou à conclusão de que uma grande parte da dívida era ilegítima. Deram conhecimentos dos factos ao Estado, que informou o povo.
(DAVID HARVEY - Cientista Social) - Foi muito importante que os trabalhos da comissão terem sido tornados públicos. A população do Equador ficou a saber porque é que os contratos de dívida assinados pelos governos anteriores, especialmente os de 200, foram considerados ilegítimos.
(letra da música:)
Dá-lhe. Correa Rafael!
A nossa pátria luta contra e a ditadura dos políticos de sempre.
O poder é cidadão, diz-te o teu irmão.
O povo do Equador quer uma nova Constituição.
Dá-lhe. Correa!
Correa, dá cabo dos “patrões” que destruíram a nossa terra
Dá-lhe. Correa! Dá-lhe Correa Rafael!
Com base nas conclusões da comissão, o governo comprovou que a dívida era ilegítima e decretou a suspensão do pagamento de 70% das dívidas obrigacionistas ao Equador.
(HUGO ARIAS – Chefe da Comissão de auditoria) - Quem tinha em sua posse títulos de dívida vendeu-os a 20% do seu valor. O governo começou a comprá-los em segredo. Por 800 milhões de dólares compraram 3 mil milhões em dívidas. Esta redução significativa permitiu melhorar as condições de vida da população.
(DAVID HARVEY - Cientista Social) - Para além disso, viram-se livres dos juros que teriam de pagar até 2012 ou 2030. Pouparam pelo menos 7 mil milhões de dólares, o que foi óptimo para o país. Isto permitiu ao governo aumentar os gastos na saúde e na educação, na criação de emprego, e na melhoria das infraestruturas.
(RAFAEL CORREA - Presidente do Equador) - O Equador já não está à venda, percebe?
Todos os dias na GRÉCIA, historiadores, economistas e analistas políticos fazem correr rios de tinta para nos dizer como controlar a nossa dívida pública. Porém, há uma questão que muito poucos levantam. Será que os gregos devem assim tanto como reivindicam os credores?
(DAVID HARVEY - Cientista Social) - A dívida contraída pela Grécia nos últimos tempos tem indícios de ser ilegítima. Por exemplo, as autoridades receberam ‘dádivas’ de companhias como a Siemens, que juntamente com a Siemens Hellas, subornou ministros e funcionários durante pelo menos uma década para ganhar contratos.
Neste caso, temos indícios de ilegalidade e ilegitimidade. Por isso, esta dívida devia ser investigada pelos tribunais. Para mim, isso é evidente.
A justiça grega não se mostrou eficaz no caso da Siemens. E foi demasiado lenta noutros casos de acordos feitos às escondidas que aumentaram a dívida.
Com os swaps infames de 2001 o governo hipotecou o futuro para apresentar um falso e próspero presente. Fizeram com que a dívida grega parecesse menor, alterando um empréstimo de ienes para euros, a uma taxa de câmbio desactualizada. Recorreram aos serviços da Goldman Sachs, que ganhou milhões com o negócio.
(Mark Kirk – Senador americano) - Estou preocupado com o papel das instituições financeiras americanas, a Goldman foi a traficante de crack. Porque quando a Grécia ficou viciada na heroína do dinheiro emprestado, a Goldman foi a traficante de crack.
A artimanha funcionou durante muitos anos. E a elite política grega provou que podia recompensar generosamente os seus aliados. Voltaram a contratar a Goldman Sachs para consultadoria,.
(JEAN QUATREMER – Jornalista, Liberation) - A Goldman Sachs fez consultadoria e atacou o governo grego ao mesmo tempo.
O escândalo foi revelado em 2010. Uns dias antes, um antigo funcionário da Goldman Sachs foi nomeado chefe da Agência para a Gestão da Dívida Pública Grega.
(JEAN QUATREMER – Jornalista, Liberation) - Contratar um empregado da Goldman Sachs é como contratar um criminoso. É o mesmo que contratar um assaltante de bancos para lhe guardar a casa. Pensa que ele sabe como funciona a cabeça dos ladrões, e por isso será um melhor guarda. Mas há sempre o perigo de um dia ele roubá-lo e desaparecer. Quem é que me garante que este antigo homem da Goldman Sachs vai gerir os assuntos gregos da melhor maneira possível?
Muitos países acusam a Grécia por causa dos negócios com a Goldman Sachs. Só que são os mesmos países que exploram a ligação que têm aos governos gregos para vender armas à Grécia a um bom preço.
(SAHRA WAGENKNECHT - Vice-presidente, Die Linke) - Quando há um ano, a Alemanha estava a negociar a ajuda a Grécia, uma das principais condições foi que a Grécia continuasse a importar armamento alemão. A Grécia devia cortar as pensões e nos apoios sociais, não na importação de armas. É um bom indicador dos interesses envolvidos. A Alemanha protege os interesses dos fabricantes de equipamento militar e da sua indústria exportadora.
Somos uns hipócritas! No mês passado, a França vendeu à Grécia seis fragatas por 2,5 mil milhões de Euros. Mais helicópteros de 400 milhões e aviões Rafale, de 100 milhões cada. Não sei se vendemos 10, 20 ou 30. Os custos totais chegam quase aos 3 mil milhões. A Alemanha vendeu 5 submarinos à Grécia, no valor de mil milhões. Somos tão hipócritas! Damos-lhes dinheiro, para poderem comprar as nossas armas.
(5ª PARTE - 1:01:20)
Antes da hipocrisia da Europa houve concessões criminosas, de mãos dadas com decisões criminosas, sempre “para o bem da Grécia” ou para apoiar um novo ‘expansionismo’ grego que levou à destruição da economia.
(Giorgos Voulgarakis – Ministro da Ordem Pública, 2004-2006) - Nós gastámos muito dinheiro. Nós gastámos o dobro do dinheiro que se gastou em Sidney. Eu não sei… Nós saberemos o custo final, obviamente, depois do fim dos jogos.
(Jornalista) - Falou em 1,2 mil milhões de dólares gastos em segurança. De onde veio esse dinheiro?
(Giorgos Voulgarakis) - Nós temos o dinheiro.
(Jornalista) - É dinheiro grego, é do Comité Olímpico, ou há uma parte que vem dos Estados Unidos?
(Giorgos Voulgarakis) - Não, é dinheiro grego. Estamos a falar de quantias superiores àquelas que podemos pagar, talvez, mas importante para a segurança.
(ÉRIC TOUSSANT - presidente do CADTM - Comité para a Abolição da Dívida do Terceiro Mundo) - Houve despesas impensáveis, cujo fardo recai sobre as pessoas. Os empréstimos para os Jogos Olímpicos foram pagos com o dinheiro dos contribuintes. É normal que as pessoas exijam saber porque é que o orçamento explodiu.
Os Jogos Olímpicos e as transacções corruptas com a Siemens e a Goldman Sachs não passam de uma pequena fracção dos negócios obscuros feitos à custa da população. No entanto há assuntos mais importantes, que não dizem respeito apenas à Grécia, mas a todos os países europeus periféricos.
(COSTAS LAPAVITSAS) - Professor de Economia) - Foram seguidas todas as regras que regem a emissão de obrigações? E ainda há a questão da legitimidade em relação aos bancos tanto nos mercados primário como secundário. Sob que termos e condições aceitaram participar?
(SAHRA WAGENKNECHT - Vice-presidente, Die Linke) - Uma parte das dívidas contraídas na Zona Euro é ilegítima, porque é fruto de políticas contrárias aos interesses das populações. Por isso estas dívidas não devem ser pagas pelos cidadãos.
O Equador demonstrou como todos estes contratos ilegítimos ou odiosos podem passar a ser do conhecimento público através de uma comissão de auditoria.
(MANOLIS GLEZOS – figura histórica da esquerda grega) - Porque é que não nos dizem de que tipo de dívida se trata? Quanto é? Como é que foi contraída? A quem é que devemos dinheiro? É por isso que a auditoria é necessária. Uma auditoria permitiria identificar quais são os contornos exactos desta dívida. Temos de conhecer e denunciar todas as mentiras do governo e das empresas que se estão a aproveitar do dinheiro dos gregos, e todos os que estão a ser muito bem pagos para papaguear elogios ao governo.
Mas quem é que vai instaurar a comissão de auditoria? E sobretudo, como é que podemos estar certos de que não vai ser mais uma comissão parlamentar com as mesmas pessoas de sempre, aos que nos trouxeram até aqui?
(COSTAS LAPAVITSAS - Professor de Economia) - Os membros da Comissão de Auditoria não devem ser especialistas. Não é necessário. Porque se o governo formar uma comissão de especialistas, mesmo que venham do exterior, mesmo que estejam incluídos cidadãos comuns, a comissão pode acabar por ser porta-voz do governo.
(Hugo Arias – Chefe da Comissão de auditoria)
Só as pessoas têm autoridade e o direito de pedir auditoria, porque são elas quem sofre as consequências. Todos os gregos devem envolver-se nisto.
(ÉRIC TOUSSANT - presidente do CADTM - Comité para a Abolição da Dívida do Terceiro Mundo) - Os partidos políticos gregos ND e PASOK que beneficiaram com a criação da dívida, Têm uma posição muito negativa em relação à auditoria, pois as suas responsabilidades virão a público. A opinião pública tem de se mobilizar. As organizações têm de se mobilizar assm como os sindicatos, juízes, intelectuais, artistas. Têm de expressar os seus pontos de vista e exercer pressão sobre o poder político.
Em Março de 2011, um grupo de pessoas de origens diversas tomou a iniciativa de exigir a formação de uma Comissão de Auditoria na Grécia.
Académicos, escritores, artistas, representantes de sindicatos de todo o mundo apoiaram entusiasticamente a iniciativa.
A comissão de auditoria irá identificar as partes da dívida que são odiosas ou ilegítimas e provará que, de acordo com a lei grega e internacional, os gregos não são obrigados a pagar estas dívidas.
No entanto, trata-se de uma decisão política e não financeira. Mesmo que a dívida fosse legítima, nenhum governo tem o direito de matar os seus cidadãos para satisfazer os desejos dos credores.
(COSTAS LAPAVITSAS - Professor de Economia) - Mesmo que se prove que a dívida pública grega de 350 mil milhões de euros é legítima, o que claramente não vai acontecer, a Grécia pode recusar-se a pagar. E a dívida terá de ser cancelada. Se honrar a dívida, torná-la sustentável significa desmantelar os serviços de saúde, desmantelar o sistema de educação
(DAVID HARVEY - Cientista Social) - O que o Governo está de facto a dizer é que vão ficar em dívida com o povo grego. E eu não compreendo como é que sociais –democratas, socialistas e populares eleitos podem chegar junto dos seus eleitores e dizer-lhes que vão ficar em dívida com eles em vez de pedir o dinheiro às instituições financeiras.
(GERARD DUMENIL - Economista) - Só existe uma única opção na próxima década que é não pagar a dívida porque foi baseada no neoliberalismo, e a aventura neoliberal foi um crime contra a humanidade.
(SAMIR AMIN - Economista) - Ninguém é obrigado a pagar esta dívida, uma vez que foi contraída em nome da corrupção e dos mercados financeiros.
(ÉRIC TOUSSANT - presidente do CADTM - Comité para a Abolição da Dívida do Terceiro Mundo) - É imoral pagar uma dívida imoral.
A formação de uma comissão de auditoria é, em última instância apenas uma arma poderosa numa batalha mais vasta. Esta batalha vai travar-se de acordo com as regras tradicionais com que se travam batalhas desde há séculos. Sem esta batalha, mesmo se passarmos a vida a repudiar a dívida, ela vai sempre renascer das próprias cinzas.
(COSTAS LAPAVITSAS - Professor de Economia) - Isto significa que se formará um campo para a luta ideológica política e de classe. A dívida é um resultado da luta de classes.
(ÉRIC TOUSSANT - presidente do CADTM - Comité para a Abolição da Dívida do Terceiro Mundo) - Não hesitem em defender os vossos direitos perante a EU e o governo grego. O respeito conquista-se através da luta, não é obedecendo aos credores.
Olhem para a Tunísia e para o Egipto. Só quando as pessoas agem é que as coisas mudam.
(MANOLIS GLEZOS – figura histórica da esquerda grega) - É altura de nos vermos livres da submissão e de nos libertarmos do FMI, do BCE e da EU, porque a troika significa a escravidão económica da Grécia.
(Giorgos Papandreou) - Estamos num momento crucial. Vamos!
FIM
E pela assustadora gravidade deste problema a nível mundial e na sua urgente resolução, transcrevi para TEXTO todo o documentário DIVIDOCRACIA (Debtocracy), para uma maior e atenta reflexão sobre este actual perigo que assiste toda a Humanidade!