(…) Sob o nosso olhar os seus contornos actuais dão lugar a outros sem que nos apercebamos disso, ou sem que possamos seguir o processo de transformação. O mesmo se passa com os movimentos interiores: a nuvem incha, novos volumes nascem no interior dos já visíveis, depois outros surgem ainda no meio dos recém-chegados. A extraordinária potência da nuvem liga-se ao facto de mostrar o movimento das formas sem revelar o seu processo; o facto de apresentar mutações discretas num desenvolvimento contínuo inapreensível. É o que acontece aos gestos do bailarino que recortam segmentos quase-discretos numa sucessão ininterrupta de movimento subterrâneo.
Como é isto possível? O movimento de transformação das nuvens constitui uma alteração que implica um deslocamento, de tal modo que percebemos as modificações e o deslocamento numa continuidade paradoxal que não deixa ver o seu dinamismo interno. É que a alteração irrompe a partir de um fundo invisível. A alteração é nascimento: cada forma prolonga e substitui a que a precede. Engendra-se um movimento contínuo do qual captamos apenas a sucessão abstracta e a diferença das formas.
O movimento das nuvens altera-as por surgimento e aparição, como se uma figura, um contorno, uma linha, uma crista viessem completar o que resta do desaparecimento dos traços anteriores – como se uma figura invisível virtual se actualizasse no prolongamento das que olhávamos e já lá não estão. Estranho devir das formas cujo movimento se apreende sem se apreender a sua lógica – como se cada forma surgisse do caos e viesse todavia enquadrar-se no nexo próprio da nuvem.
À maneira do movimento cinematográfico a propósito do qual GILLES DELEUZE mostrou como a «imagem-movimento» primava sobre o movimento das imagens individuais (*), a alteração das nuvens na dança, impondo-lhes uma transformação que se dá no mesmo lugar ao mesmo tempo que arrasta o seu deslocamento de sentido, situa o devir no centro do próprio movimento dançado. Porque a nuvem de sentido é o movimento do sentido.
O gesto dançado não constrói nem uma significação nem uma força pura que transmitiria um sentido fora de toda a forma.
Mas a nuvem de sentido, irrompe dos gestos vindos do interior (…)
(…)
Num belo livro consagrado à história da nuvem, HUBERT DAMISCH observa que a nuvem desempenha na pintura funções muitas vezes de acordo com as suas propriedades físicas: entre a terra e o céu, não contradizendo a gravidade, mas gozando de uma espécie de ausência de peso, vocacionada para um movimento de elevação(…)
Como é isto possível? O movimento de transformação das nuvens constitui uma alteração que implica um deslocamento, de tal modo que percebemos as modificações e o deslocamento numa continuidade paradoxal que não deixa ver o seu dinamismo interno. É que a alteração irrompe a partir de um fundo invisível. A alteração é nascimento: cada forma prolonga e substitui a que a precede. Engendra-se um movimento contínuo do qual captamos apenas a sucessão abstracta e a diferença das formas.
O movimento das nuvens altera-as por surgimento e aparição, como se uma figura, um contorno, uma linha, uma crista viessem completar o que resta do desaparecimento dos traços anteriores – como se uma figura invisível virtual se actualizasse no prolongamento das que olhávamos e já lá não estão. Estranho devir das formas cujo movimento se apreende sem se apreender a sua lógica – como se cada forma surgisse do caos e viesse todavia enquadrar-se no nexo próprio da nuvem.
À maneira do movimento cinematográfico a propósito do qual GILLES DELEUZE mostrou como a «imagem-movimento» primava sobre o movimento das imagens individuais (*), a alteração das nuvens na dança, impondo-lhes uma transformação que se dá no mesmo lugar ao mesmo tempo que arrasta o seu deslocamento de sentido, situa o devir no centro do próprio movimento dançado. Porque a nuvem de sentido é o movimento do sentido.
(*) Cf. GILLES DELEUZE, L’Image-mouvement, (…) «No entanto, os contemporâneos podiam ser sensíveis a uma evolução que transportava as artes, mudava o estatuto do movimento, até na própria pintura (…)»(…)
O gesto dançado não constrói nem uma significação nem uma força pura que transmitiria um sentido fora de toda a forma.
Mas a nuvem de sentido, irrompe dos gestos vindos do interior (…)
(…)
Num belo livro consagrado à história da nuvem, HUBERT DAMISCH observa que a nuvem desempenha na pintura funções muitas vezes de acordo com as suas propriedades físicas: entre a terra e o céu, não contradizendo a gravidade, mas gozando de uma espécie de ausência de peso, vocacionada para um movimento de elevação(…)
JOSÉ GIL MOVIMENTO TOTAL. O corpo e a dança - Relógio D’Água Editores, 2001