(…) O bailarino contempla as imagens virtuais do seu corpo a partir dos múltiplos pontos de vista do espaço do corpo. Paradoxalmente, a posição narcísica do bailarino não exige um «eu», mas um outro corpo (pelo menos) que se desprenda do corpo visível e dança com ele. Graças ao espaço do corpo, o bailarino, enquanto dança cria duplos ou múltiplos virtuais do seu corpo que garantem um ponto de vista estável sobre o movimento (para Mary Wigman, dançar é produzir um duplo com o qual o bailarino dialoga).
Conivência e distância do corpo actual em relação aos corpos virtuais são assim acompanhados por uma contemplação do movimento que ao mesmo tempo o desposa e se afasta dele para adquirir uma perspectiva consistente no interior do próprio movimento. (…)
(…) Digamos, simplesmente, que o corpo habitual, o corpo-organismo é formado de órgãos que impedem a livre circulação de energia. A energia é investida e fixada nos sistemas de órgãos do organismo (assim se constroem esses «modelos sensorio-motores interiorizados» de que Cuningham fala, que representam sempre um obstáculo à inovação). Desembaraçar-se deles, constituir um outro corpo onde as intensidades possam ser levadas ao seu mais alto grau, tal é a tarefa do artista e, em particular, do bailarino.
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Conivência e distância do corpo actual em relação aos corpos virtuais são assim acompanhados por uma contemplação do movimento que ao mesmo tempo o desposa e se afasta dele para adquirir uma perspectiva consistente no interior do próprio movimento. (…)
É falso dizer que «transportamos o nosso corpo» como um peso que arrastamos sempre connosco. O peso do corpo constitui um outro paradoxo: se exige um esforço para o fazermos mexer-se, é também ele que transporta sem esforço através do espaço.
Como no-lo mostram essas Mulheres de Picasso correndo pela praia, com pernas e braços que se alongam como o próprio espaço que a corrida, o horizonte, o mar e o vento induzem, a textura do corpo é espacial; e reciprocamente, a textura do espaço é corporal. (…)
A «abertura» do corpo não é nem uma metonímia nem uma metáfora. Trata-se realmente do espaço interior que se revela ao reverter-se para o exterior, transformando este último em espaço do corpo.
Mas porque se quer abrir o corpo e projectá-lo para fora?
Sabemo-lo: para construir o espaço do corpo e, no limite, para formar o plano de imanência da dança, enquanto última transformação desse espaço. Porquê querer a imanência? Para alcançar as intensidades mais altas, essas a que Cuningham chama de «fusão». Mas enfim porquê querer dançar?
Assim que tentamos responder, somos imediatamente remetidos para o desejo, para a própria natureza do desejo.
O que se prende com uma só palavra: agenciar.
Palavra de Deleuze e Guattari que nos parece ser a mais apta para exprimir o que do desejo se implica no desejo de dançar.
O desejo cria agenciamentos; mas o movimento de agenciar abre-se sempre em direcção de novos agenciamentos. Porque o desejo não se esgota no prazer mas aumenta agenciando-se.
Mas porque se quer abrir o corpo e projectá-lo para fora?
Sabemo-lo: para construir o espaço do corpo e, no limite, para formar o plano de imanência da dança, enquanto última transformação desse espaço. Porquê querer a imanência? Para alcançar as intensidades mais altas, essas a que Cuningham chama de «fusão». Mas enfim porquê querer dançar?
Assim que tentamos responder, somos imediatamente remetidos para o desejo, para a própria natureza do desejo.
O que se prende com uma só palavra: agenciar.
Palavra de Deleuze e Guattari que nos parece ser a mais apta para exprimir o que do desejo se implica no desejo de dançar.
O desejo cria agenciamentos; mas o movimento de agenciar abre-se sempre em direcção de novos agenciamentos. Porque o desejo não se esgota no prazer mas aumenta agenciando-se.
(…) O desejo é portanto infinito, e nunca pararia de produzir novos agenciamentos se forças exteriores não viessem romper, quebrar, cortar o seu fluxo.
O desejo quer acima de tudo desejar, ou agenciar, o que é a mesma coisa. O agenciamento do desejo abre o desejo e prolonga-o.
Se o agenciamento abre o desejo e o aumenta, é porque se tornou matéria do desejo, não seu objecto, mas sua textura própria, participando da sua força, da sua intensidade, do seu «impulso vital» para falarmos como Bergson. Por outras palavras o desejo não é só desejo de agenciamento, é agenciamento, transforma aquilo que «produz» ou «constrói»em si próprio. Se o desejo de um pintor consiste em agenciar certas cores de certa maneira, a força do quadro que daí resulta é o desejo. As cores e os espaços agenciados desejam.
Seja qual for o tipo de agenciamento, o desejo procura fluir através dele. Nos movimentos do pensamento como no fazer do artista ou na elaboração da fala, desejar é agenciar para fluir, agenciar para que a potência de desejo aumente. Por isso o desejo reconduz a si próprio, transforma, metaboliza todos os elementos que toca, atravessa ou devora. Para o desejo tudo deve devir desejo.
O desejo quer acima de tudo desejar, ou agenciar, o que é a mesma coisa. O agenciamento do desejo abre o desejo e prolonga-o.
Se o agenciamento abre o desejo e o aumenta, é porque se tornou matéria do desejo, não seu objecto, mas sua textura própria, participando da sua força, da sua intensidade, do seu «impulso vital» para falarmos como Bergson. Por outras palavras o desejo não é só desejo de agenciamento, é agenciamento, transforma aquilo que «produz» ou «constrói»
Seja qual for o tipo de agenciamento, o desejo procura fluir através dele. Nos movimentos do pensamento como no fazer do artista ou na elaboração da fala, desejar é agenciar para fluir, agenciar para que a potência de desejo aumente. Por isso o desejo reconduz a si próprio, transforma, metaboliza todos os elementos que toca, atravessa ou devora. Para o desejo tudo deve devir desejo.
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JOSÉ GIL , MOVIMENTO TOTAL. O corpo e a dança - Relógio D’Água Editores, 2001
BALLET GULBENKIAN - Fotografia/Arquivo de ALICE VALENTE ALVES |