Sobre_ ALI_SE
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a árvore ao jardim

1 ano passado

Os meus agradecimentos a todos que atenciosamente têm partilhado comigo este espaço e ao bloganiversário pelo aviso .
2 0 0 6 _ 3 0 J U N H O :
QUE AMOR = QUE ÓDIO

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1 Ano de Ali_Se

Deleuze e a VERGONHA por vir

(…) Impressionaram-me muito todas as páginas de Primo Levi em que ele explica que os campos nazis introduziram em nós “a VERGONHA de ser um homem”. Não, diz ele, que sejamos todos responsáveis pelo nazismo, como gostariam de nos fazer crer, mas porque fomos todos manchados por ele: os próprios sobreviventes dos campos tiveram de aceitar compromissos, que mais não fosse para sobreviver. VERGONHA de ter havido homens que foram nazis, VERGONHA de não se ter podido nem sabido impedi-lo, vergonha dos compromissos aceites, é a tudo isto que Primo Levi chama a “zona cinzenta”. E a VERGONHA de ser um homem, acontece que a experimentemos também em circunstâncias completamente ridículas: perante uma excessiva vulgaridade de pensamento, durante uma emissão de variedades, frente ao discurso de um ministro, ao ouvir as declarações do que gostam da “boa vida”. (…) Ora o mercado não é universalizante, homogeneizador, é um fantástico processo de riqueza e de miséria. Os direitos do homem não nos farão abençoar as “alegrias” do capitalismoNão há Estado democrático que não esteja comprometido a fundo com esse processo de fabrico da miséria humana. A VERGONHA é que não temos meio seguro algum de preservar os devires, ou por maioria da razão de fazer com que levantem, nem sequer em nós próprios…


(…) As minorias e as maiorias não se distinguem pelo número. Uma minoria pode ser mais numerosa do que uma maioria. O que define a maioria é um modelo … Ao passo que uma minoria não tem modelo, é um devir, um processo. Pode-se dizer que a maioria não é ninguém. Toda a gente, sob um aspecto ou outro, se encontra tomada num devir minoritário que arrastaria cada um para vias desconhecidas, se nos decidíssemos a segui-las (…) O POVO é sempre uma minoria criadora, e que continua a sê-lo, até mesmo quando conquista uma maioria: as duas coisas podem coexistir porque não se vivem no mesmo plano. Os maiores artistas fazem apelo a um POVO, e constatam que “o POVO falta”: Mallarmé, Rimbaud, Klee, Berg. No cinema, os Straub. O artista não pode deixar de fazer apelo a um POVO, necessita dele no mais fundo da sua acção, não lhe cabe criá-lo e não pode fazê-lo. A ARTE é o que resiste: resiste à morte, à servidão, à infâmia, à VERGONHA... Como se cria um POVO, em que sofrimentos abomináveis? Quando um POVO se cria, é pelos seus próprios meios, mas de maneira a reunir-se a qualquer coisa da ARTE ou de maneira a que a ARTE se reúna àquilo que lhe faltava.


(…) … é o cérebro que é exactamente esse limite de um movimento contínuo reversível entre um Dentro e um Fora, essa membrana entre os dois. Novos traçados cerebrais, novas maneiras de pensar não se explicam pela micro-cirurgia, mas É A CIÊNCIA, pelo contrário, que deve esforçar-se por descobrir o que pode ter havido no cérebro para que nos tenhamos posto a pensar desta ou daquela maneira. Acreditar no mundo é isso que mais nos falta; perderemos completamente o mundo, desapossaram-nos dele. Acreditar no mundo é também suscitar acontecimentos, ainda que pequenos, que escapem ao controlo, ou fazer nascer novos espaços-tempos.


(…) Informaram-nos de que as empresas têm uma alma, o que é de facto a notícia mais aterradora do mundo. O marketing é agora o instrumento do controlo social, e forma a raça impudente dos nossos senhores. O controlo é a curto prazo e de rotação rápida, mas também contínuo e ilimitado, enquanto a disciplina era de longa duração, infinita e descontínua. O homem já não é o homem encerrado, mas o homem endividado. É verdade que o capitalismo manteve por constante a extrema miséria de três quartas partes da humanidade, demasiado pobres para a dívida, demasiado numerosas para o encerramento: o controlo não terá somente de enfrentar as dissipações de fronteiras, mas as explosões dos bairros de lata e dos guetos.


Não há necessidade de ficção científica para concebermos um mecanismo de controlo que dê a cada instante a posição de um elemento em meio aberto, animal numa reserva, homem numa empresa (pulseira electrónica). Félix Guattari imaginava uma cidade em que cada um poderia sair do seu apartamento, da sua rua, do seu bairro, graças ao cartão electrónico (dividual) que faria levantar-se esta ou aquela barreira; mas o cartão poderia igualmente ser recusado certo dia, ou entre certas horas; o que conta não é a barreira, mas o computador que referencia a posição de cada um, lícita ou ilícita, e opera uma modulação universal.


(…) … estamos no início de alguma coisa. No regime das prisões: (…). No regime das escolas: (…). No regime dos hospitais: (…). No regime de empresas: os novos modos de tratar o dinheiro, os produtos e os homens que já não passam pela velha forma-fábrica. São exemplos bastante magros, mas que permitiriam compreender melhor o que se deve de entender por crise das instituições, quer dizer a instalação progressiva e dispersa de um novo regime de dominação.
(…) Poderemos já discernir esboços dessas formas POR VIR, capazes de se oporem às alegrias do marketing? Há muitos jovens que estranhamente reclamam ser “motivados”, requerem estágios e formação permanente; é a eles que compete descobrir aquilo que os fazem servir, como os mais velhos descobriram não sem dificuldades a finalidade das disciplinas.
(…)
GILLES DELEUZE , Conversações 1972-1990, Fim de Século Edições, 2003

A EDUCAÇÃO em Nietzsche

Excertos retirados do texto de Elenilton Neukamp com o título AS CRÍTICAS DO PROFESSOR NIETZSCHE À EDUCAÇÃO DE SEU TEMPO no site de filosofia de Miguel Duclós: www.consciencia.org :

(...)
Nietzsche …, que foi professor (entre 1869 e 1879) e teve contacto directo com a realidade educacional de sua época, o que permitiu que fizesse críticas agudas ao ensino dos estabelecimentos alemães. Suas “Considerações Intempestivas” ou “Extemporâneas” [São elas: David Strauss, o devoto e o escritor (1873), Da utilidade e desvantagem da história para a vida (1874), Schopenhauer como educador (1874) e Richard Wagner em Bayreuth (1876)] desferem um ataque profundo à educação de seu tempo e indirectamente ao projecto pedagógico da modernidade como um todo. Estas obras fazem parte do que os comentadores costumam chamar de “primeiro Nietzsche” ou “o primeiro período” de três que corresponderiam a toda sua produção. Nelas o filósofo critica a educação ministrada nas instituições de ensino de seu tempo, acusando-as de apequenarem o homem ao formá-lo apenas para servir aos interesses do Estado, da ciência e do mercado. Nietzsche aponta uma tendência para a potencialização de elementos comuns (e medíocres) dos indivíduos, nivelando-os para sua melhor utilidade ao invés de despertá-los em suas singularidades como seres humanos. Esta tendência de uniformização exacerba a importância da memorização como a forma mais importante para se educar, em detrimento da acção e da criação.
(…)
A Alemanha, do século XVI ao XVIII era dividida em centenas de Estados independentes e autónomos, que não davam a liberdade necessária para o crescimento de uma intelectualidade. Seus pensadores, então, foram para outros lugares, fora das fronteiras destes Estados em disputa, onde forjaram um pensamento cosmopolita, preocupado sobretudo com os rumos da cultura e alheios aos acontecimentos políticos. A derrota militar sofrida pela Prússia em 1806 para as tropas de Napoleão, ajuda a criar a consciência de que é necessário unir a nação. A forma que o Estado encontra para unificar a nação é através do processo educativo, tornando a escolarização compulsória; educar todo povo torna-se o ideal. Por isso, era obrigatória a formação inicial de três anos nas escolas preparatórias, ou “escolas populares”, que depois davam acesso ao ginásio que durava nove anos.
Na conferência
“Sobre o futuro dos nossos estabelecimentos de ensino” (1872) Nietzsche aborda as instituições de ensino e a educação de seu tempo, (…) . Em sua análise, duas tendências mostravam-se nefastas para os rumos das instituições pedagógias: a tendência de ampliação cada vez maior da cultura, e a tendência à redução da cultura através da especialização. Tanto uma quanto a outra tendência eram completamente equivocadas e carregavam pressupostos e “métodos antinaturais de educação”.
A tendência à ampliação é a tentativa de universalização da cultura, de sua extensão a grupos cada vez maiores. Para Nietzsche, esta é uma visão utilitária da cultura pois está dominada por critérios quantitativos:
procura-se estender a educação à maior quantidade de pessoas possível, pois o mercado necessita delas.
Além desta necessidade de formar produtores para o mundo do trabalho, baseada numa lógica económica e não com o intuito de elevação cultural, Nietzsche ainda vislumbra outros interesses nesta tendência à extensão máxima da cultura. Um deles seria o medo da opressão religiosa do passado, fazendo aumentar uma busca de elementos culturais contrários à religião por parte de toda a sociedade. Outro elemento importante é o interesse do Estado que, consciente de seu poder, investe na formação de seus funcionários e de seus exércitos para melhor capacitar-se na luta contra outros Estados.
A outra tendência, de redução da cultura, não tem a mesma força que a anterior mas é tão nefasta quanto aquela. Esta tendência prega a divisão do trabalho nas ciências e a especialização do erudito em determinada área;
especialização que “conduz à superficialização do espírito, ao entorpecimento do impulso crítico, emancipatório e criador”
(GIACÓIA, 2005, p. 68).

(...) Tanto uma quanto outra tendência vão formando um determinado público medíocre, distante da verdadeira cultura, que terá no jornal seu ponto de confluência. O jornalista, “o senhor do momento”, acaba substituindo os verdadeiros mestres da cultura e é no jornal que os chamados eruditos (especialistas) irão divulgar seus pretensos saberes para o público. Estão colocados todos os ingredientes para a formação de uma “pseudocultura”, que Nietzsche irá chamar de “barbárie cultivada”.

(…) Mas como poderiam os professores realizar esta grandiosa tarefa, se eles próprios não haviam sido “iniciados” em uma cultura nobre e superior?

(…) O Estado moderno percebe que se financiar a produção e a difusão da cultura, pode utilizá-la para seus fins. A cultura passa a ser considerada útil apenas se serve aos interesses do Estado, diferentemente do que se passava na Grécia antiga quando o Estado era o “companheiro de viagem” da cultura. (…) Muitos anos depois, no período derradeiro de seus escritos, Nietzsche dirá em seu Crepúsculo dos Idolos:
“O que as “escolas superiores” alemãs sabem fazer de fato é um adestramento brutal para tornar utilizável, explorável ao serviço do Estado uma legião de jovens com uma perda de tempo tão mínima quanto possível. “Educação superior” e legião – aí está uma contradição primordial” (NIETZSCHE, 2005, p. 61).
O adestramento realizado pelas instituições de seu tempo, para Nietzsche, nada tem a ver com a verdadeira cultura. O que cada indivíduo necessita aprender para sua própria sobrevivência é importante, e as experiências que levam-no a tais aprendizados são realmente necessárias. Nietzsche não nega a necessidade de uma educação para a sobrevivência, representada nas escolas técnicas. O que enfatiza é que não há cultura sem o desligamento do “mundo das necessidades”, e que um homem que está ligado à esta luta individual pela vida não pode simplesmente dispor de tempo para alcançar a verdadeira cultura. Uma educação que se propõe como finalidade formar alguém para ocupar um cargo de funcionário ou ganhar dinheiro não pode ser chamada de educação para a cultura, mas apenas uma indicação do caminho que o indivíduo deverá percorrer para manter-se vivo (NIETZSCHE, 2004, p. 104). Trata-se de uma educação que visa a domesticação, a criação de pessoas medíocres e úteis aos ditames de seu tempo. Nietzsche contrapõe a esta domesticação um “adestramento seletivo” que leve o jovem a tornar-se senhor de seus instintos: "o produto deste adestramento não é um indivíduo fabricado em série, adaptado às condições de seu meio... mas um ser autônomo, forte, capaz de crescer a partir do acúmulo de forças deixadas pelas gerações passadas, capaz de mandar em si mesmo...alguém que se atreve a ser ele mesmo” (DIAS, 2003, p. 86).

(…)
Os grandes génios do passado também não tiveram estabelecimentos de ensino, instituições poderosas que contribuíssem com sua formação, por isso tornaram-se grandes apesar de suas épocas e não em decorrência da suposta grandiosidade delas. Assim também como os grandes mestres, segundo Nietzsche, quem estivesse disposto a lutar pela verdadeira cultura, deveria preparar-se para a resistência de seus contemporâneos; a
“resistência do mundo estúpido”, nas palavras de Goethe.
Se a educação de seu tempo esforçava-se em formar uma quantidade cada vez maior de funcionários para o Estado, pessoas comuns, consumidores de uma cultura medíocre, onde buscar uma verdadeira formação? Quem seriam os mestres e guias que mostrariam o caminho que levaria à “verdadeira cultura alemã”? Nietzsche encontra no filósofo Arthur Schopenhauer a imagem de figura modelar, um exemplo raro de pensador que havia mantido a coerência entre vida e obra, pois “o exemplo deve ser dado pela vida real e não unicamente pelos livros” (NIETZSCHE, 2004, p. 150).

(…) Os mestres ou guias são modelos a serem criativamente imitados, não no sentido de repetição de seus actos mas como “pretextos para a experimentação de si” (LAROSSA, 2002, p. 77). A educação moderna, para Nietzsche, havia substituído os verdadeiros educadores que seriam os “modelos ilustres” por “uma abstração inumana” que é a ciência (NIETZSCHE, 2004, p.145). As universidades haviam feito do ensino da ciência algo desligado da própria vida, tornando os eruditos mais preocupados com a ciência do que com a humanidade, esquecendo que sua verdadeira tarefa é “educar um homem para fazer dele um homem” (ibidem, p. 144).

(…) No entanto, são raras as pessoas que conseguem chegar a este saber; para a maioria a cultura não existe para promover o “nascimento do homem verdadeiro” e sim para satisfazer o interesse de determinados grupos. Neste sentido, Nietzsche aponta os “egoísmos” que impedem o acontecer de uma verdadeira cultura.

(…)
O egoísmo dos negociantes é centrado no uso da cultura para a obtenção de lucros: “quanto mais houver conhecimento e cultura, mais haverá necessidades, portanto, também mais produção, lucro e felicidade...” (ibidem, p. 185). Desde esta perspectiva a cultura seria a produção de uma certa inteligência comum, mediana, que formasse “o maior número possível de homens correntes, no sentido que se fala de moeda corrente”, homens dispostos a ganhar dinheiro. A cultura estaria voltada para a produção de necessidades para o consumo; deve ser rápida, para formar o mais rápido possível homens que produzem e consomem, pois no consumo está centralizada a busca da felicidade: “não se atribui ao homem senão justamente o que é preciso de cultura no interesse do lucro geral e do comércio mundial” (ibidem, p. 186).
Outro egoísmo é o do Estado, que incentiva a difusão da cultura para o maior número possível de pessoas unicamente para servir-se delas em suas instituições e usá-las como joguetes. Ele utiliza a imagem de um moinho, em que poderosas correntes de água são desviadas para fazê-lo girar. O Estado é quem constrói os diques para utilizar toda esta energia que do contrário poderia ser perigosa para sua sobrevivência.
O terceiro egoísmo é o de uma arte que poderia chamar-se “cosmética”. Através de uma espécie de arte o que se tenta é embelezar o homem moderno, ornando-o, tornando sua aparência mais atraente com a intenção de esconder seu vazio interior: “Com os detalhes exteriores, a palavra, o gesto, com a decoração, o fausto e as boas maneiras, trata-se de obrigar o espectador a uma falsa conclusão quanto ao conteúdo...” (ibidem, p. 187). Os alemães haviam se tornado, dentro desta cultura de “gentilezas com que se enfeita a vida”, como que “um material mole e disforme” pronto para qualquer manipulação (ibidem, p. 189). Esta tendência a uma cultura preocupada apenas com as belas formas teria suas origens na pressa da vida moderna, onde os homens haviam se tornado os escravos atormentados pelos três “M”: o momento, as maneiras de pensar e os modos de agir. (…) Ser culto daqui por diante significa: não se permitir observar até que ponto se é miserável e mau, feroz na ambição, insaciável na acumulação, egoísta e desavergonhado na fruição. (NIETZSCHE, 2004, p. 189-190)
Nietzsche lamenta a “superestimação do momento”, a busca pelo sucesso e pelo lucro que vêm unir-se à mediocridade da cultura alemã da época, voltada para a cópia de modelos importados e sem vida ou originalidade. A estes três poderes, três egoísmos que incentivam este tipo de cultura, Nietzsche alia o egoísmo da ciência, que “é útil apenas a si mesma, tanto quanto é nociva a seus servidores”. Diante das grandes questões humanas a ciência silencia, e faz uso da cultura apenas para o seu progresso enquanto actividade, perdida em abstracções esquece dos problemas da existência. A especialização e esta ausência de reflexão distancia suas investigações e resultados da realidade, tornando-se extremamente perigosa: “o que há de ser, em geral, a ciência, se não tem tempo para a civilização? Respondei-nos, pelo menos aqui: de onde, para onde, para que toda a ciência, se não for para levar à civilização? Ora, talvez então à barbárie! E nessa direcção vemos já a comunidade erudita pavorosamente avançada...” (…) As instituições aparentemente promotoras da cultura, no fundo nada sabem dos propósitos de uma verdadeira cultura e agem apenas segundo seus interesses. O Estado “somente a promove para promover a si mesmo”, os negociantes ao exigirem instrução e educação querem “sempre em última análise o lucro” e “aqueles que têm necessidade de formas...a única coisa clara...é que eles dizem sim a si mesmos, quando afirmam a cultura”. Os eruditos impedem com sua acção o surgimento do génio, pois a cultura para eles é apenas utilitária e os grandes homens seriam uma ameaça à sua mesquinhez.

(...)

Elenilton Neukamp, AS CRÍTICAS DO PROFESSOR NIETZSCHE À EDUCAÇÃO DE SEU TEMPO


Ler o texto na íntegra >>> aqui <<<

levantados

Poesia e Fotografia de ALICE VALENTE
BALLET GULBENKIAN - Fotografia/Arquivo de ALICE VALENTE ALVES

Nobre AMI em Viagens e GRITOS CONTRA A INDIFERENÇA

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(*) A 29 de Maio de 2007 na Rádio Antena 2, LUÍS CAETANO no seu programa «ÚLTIMA EDIÇÃO» à conversa com o FERNANDO NOBRE:
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Foi hoje à tarde apresentado em Lisboa um novo livro do médico Fernando Nobre, chama-se «GRITOS CONTRA A INDIFERENÇA» complementa o livro anterior, «VIAGENS CONTRA A INDIFERENÇA», livro também com a chancela da «Tema e Debates», uma obra onde Fernando Nobre reúne artigos publicados e textos de conferências dadas ao longo dos últimos 10 anos em seminários, escolas, institutos, fundações, universidades, em muitos grupos de reflexão que contemplam o mundo de hoje. Neste livro Fernando Nobre apresenta a sua visão do mundo, a sua revolta, a sua luta que é a sua actividade por um novo paradigma humano e de sociedade.
A propósito deste novo livro de Fernando Nobre apresentado hoje em Lisboa, proponho recordar neste programa uma conversa tida com o médico aquando do lançamento do livro anterior, «Viagens contra a indiferença», Fernando Nobre para quem o mundo não tem fronteiras, quando se trata de ajudar o seu semelhante, independentemente das condições difíceis em que isso aconteça.
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Vamos recordar essa conversa com FERNANDO NOBRE:
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… Eu acho que enquanto os seres humanos não forem capazes de se auto analisarem e verem também comportamentos errados que eles aos seus povos e as suas culturas praticaram em relação aos outros durante décadas ou séculos vai ser difícil chegarmos ao diálogo, ao entendimento, à criação de pontes, porque precisamos é de pontes, de inclusão, não de políticas de exclusão, que vão necessariamente produzir mais terror. (…)
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- A vida humana está sem valor para os ricos e poderosos deste mundo, Doutor Fernando Nobre?
Está, está! Está e eu tenho dito e também está escrito no meu livro que se eles pensassem, nem que fosse só um minuto na morte, por semana ou até por mês, eles aperceber-se-iam que são ninharias, poeiras no universo, como todos nós. Felizmente ou infelizmente eu já vi morrer milhares de pessoas (…)
E nós sabemos e eu sei que quando eu morrer, naqueles minutos que vão anteceder a minha morte, os meus músculos vão relaxar antes do último suspiro e eu vou-me «borrar» todo, como toda a gente se «borra». E por isso, esses ditos poderosos, que pensam que são donos, enfim e senhores do mundo, vão-se aperceber naqueles dois, três minutos, se estiverem conscientes, se não estiverem já em coma profundo, que efectivamente eles não são coisíssima nenhuma…
(…) As pessoas pensam que são eternas. Não são eternas coisa nenhuma,
vão morrer exactamente como todos os outros e ainda bem! Porque mal de nós seria se os ricos e poderosos pudessem comprar a imortalidade. Porque essa é a grande justiça!
Por isso vamo-nos todos «borrar» dois, três minutos antes de morrer! Vamos todos urinar dois, três minutos antes de morrer!…
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- E vamos ser todos iguais!
E vamos ser todos iguais! E por isso pensem por favor! Porque se pensarem só naquele momento que são ninharia, ah já é tarde! Eu penso que as coisas têm de ser feitas, não de forma tétrica. Eu não quero ser tétrico. Eu gosto de viver, de rir, de contar anedotas e de brincar com os meus filhos. Mas é bom que as pessoas pensem de vez em quando e exactamente a dimensão que nós temos. Para não andarem aí armados em parvos, pensando que isto lhes pertence, isto não lhes pertence! E para respeitarem os outros. Enquanto nós não virmos as crianças todas como podendo ser nossos filhos. Enquanto olharmos sempre os outros como seres menores, uma espécie de macacos que podem morrer aos milhões que não importa…
(…) Há que criar um novo paradigma de mentalidades, que passa sempre pelo mesmo, aqueles conceitos tão básicos… «
não mates!», «não faças aos outros o que não queres que te façam a ti!». Se chegarmos a isso e interiorizarmos isso, talvez poderemos ter um mundo onde teremos menos medo…
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- É um homem desprendido dos bens materiais, o que é que leva consigo quando vai para uma missão, de livros, de mais pessoal?
Levo em geral dois, três livros, tipo pessoal não levo nada, sou um homem muito aéreo, porque não levo nem rede mosquiteira, nem pomadas para pôr contra os mosquitos, nem enfim, nem muitas coisas, óculos escuros nem isso, nem aquilo, nem aqueloutro… (…) E depois contento-me com pouco, levo bolachas Maria, garrafa de água, isso temos de beber, não podemos viver sem água e depois pouco me importa o resto. Se tiver que dormir no chão, durmo no chão…(…) E costumo dizer, que espero que até ao fim da minha vida tenha um prato de sopa. Se alguém me pudesse garantir hoje, que estou aqui, que até ao fim da minha vida teria sempre um prato de sopa, um ao almoço e outro ao jantar, eu pessoalmente já vivia muito tranquilizado
(…)


(*) Transcrição para texto de excertos da conversa áudio, por ALICE VALENTE.

Clique >>> aqui <<< para ouvir (os 14 minutos) em AUDIO
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