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a árvore ao jardim

a dor da vontade humana

Para além de dar continuidade ao tema do DESEJO e da VONTADE, igualmente este POST tem o propósito de responder às questões colocadas como comentário em >>> A VONTADE em Schopenhauer, e entre elas, realço aquela relativamente ao que penso da crítica que Schopenhauer fez sobre «O Fundamento da Moral» à forma imperativa da ética kantiana.

«(…) Os esforços para banir a DOR de nossas vidas não conseguem outro resultado senão o de fazê-la mudar de forma. Em sua origem tomam o aspecto da necessidade, cuidado, para atender as coisas materiais da vida, e quando, após um trabalho incessante e penoso, conseguimos afastar a horrível máscara da DOR neste determinado aspecto, adquire outros mil disfarces, segundo a idade e as circunstâncias: o instinto sexual, o amor apaixonado, a inveja, o rancor, os ciúmes, a ambição, a avareza, o temor, a enfermidade, etc.
Toma o aspecto triste e desolado do tédio, da sociedade, quando não encontra outro modo de se apresentar. E se com novas armas conseguimos afastá-la, novamente recuperará sua antiga máscara, e a dança recomeça.
(…) Tudo que defendemos, resiste-nos, tudo tem uma vontade hostil que é preciso vencer.
(…) Em todas, as partes e ocasiões temos que travar combate com um adversário. (…)
Se o mundo é obra de um criador, as dores voltam-se contra ele dando lugar a cruéis sarcasmos; mas se é obra nossa, a acusação é contra o nosso ser e a nossa vontade. Isto nos faz pensar que viemos ao mundo já viciados, como os filhos de pais gastos pelos desregramentos, e que se a nossa existência é tão miserável, e tem por desfecho a morte, é porque assim merecemos, para expiar nossa culpa. Generalizando, nada é mais certo: a culpa do mundo é que causa os sofrimentos, e entendemos esta relação no sentido metafórico, e não no físico e empírico. Por isso, a história do pecado original reconcilia-me com o Antigo Testamento; para mim é a única verdade metafísica que o livro contém expressa em forma alegórica. A nada se assemelha tanto nosso destino como à consequência de uma falta, de um DESEJO culpado. (…)
(…) Do mesmo modo que o rio corre manso e sereno, enquanto não encontra obstáculos que se oponham à sua marcha, assim corre a vida do homem quando nada se lhe opõe à vontade. Vivemos inconscientes e desatentos: nossa atenção desperta no mesmo instante em que nossa vontade encontra um obstáculo e choca-se contra ele. (…)
É um absurdo acreditar o contrário; que o mal é negativo. Ele é positivo, porque se faz sentir. Toda a felicidade, todo o bem é negativo, e toda a satisfação também o é, porque suprime um DESEJO ou termina um pesar. Acrescentamos a isto que, em geral, nunca sentimos uma alegria maior que a que sonhávamos, e que a dor sempre a excede. (…)
(…) A felicidade está no futuro, ou no passado; o presente é uma pequena nuvem escura que o vento impele sobre a planície cheia de sol. Diante e atrás dela, tudo é luminoso; só a nuvem é que projecta uma sombra.
(…) O homem ameaçado por todos os lados pelos perigos que o rodeiam, usa de sua prudência sempre vigilante para poder escapar. Com passo inquieto, lançando em volta olhares angustiosos, segue o seu caminho em luta constante com os casos e com seus inúmeros inimigos. O homem não se sente seguro entre os da sua raça e nem nos mais longínquos desertos.
(…) A necessidade imperiosa do homem é assegurar a existência, e feito isto, já sabe o que fazer. Portanto, depois disso, o homem se esforça para aliviar o peso da vida, torná-la agradável e menos sensível: "matar o tempo", isto é, fugir ao aborrecimento.
(…) A miséria é sofrimento pungente do povo; o desgosto é para os favorecidos. Na vida civil, o domingo significa o tédio, e os seis dias, o desgosto.
(…) O aborrecimento dá-nos a noção do tempo e a distracção nos faz esquecer.
Isto prova que a nossa EXISTÊNCIA é mais feliz quando menos a sentimos: de onde se deduz que seríamos mais felizes se nos livrássemos dela.
(…) Os optimistas quiseram adaptar o mundo ao seu sistema, e apresentá-lo à priori como o melhor dos mundos possíveis. O absurdo é evidente.(…) A sinceridade de certos homens não lhes permite a união ao coro dos optimistas, e com eles entoar a aleluia
ARTHUR SCHOPENHAUER , «A DOR»

*

Nestes dois últimos parágrafos, Schopenhauer refere a sua grande aversão aos que detém o poder optimista através da fé e da esperança religiosa e ao fundamento da moral de KANT que diz (no seu livro FUNDAMENTAÇÃO DA METAFÍSICA DOS COSTUMES): «a fórmula do imperativo categórico e o princípio da moralidade, assim, pois, vontade livre e vontade submetida a leis morais são uma e a mesma coisa».Para KANT dever antecede toda a experiência, e por ele a razão determina a vontade à priori. Então quer isto dizer que estamos perante uma máxima que é erigida não por gosto do homem, mas sim por dever estabelecida pela vontade.E o que é vontade para Kant? «A vontade é uma faculdade de não escolher nada a não ser o que a razão, independentemente da inclinação, conhece como praticamente necessária, isto é, bom».

Cria assim KANT uma autorização da razão e a sua fórmula é um imperativo.E o que é a moralidade para KANT? «A moralidade é, pois a relação das acções com a autonomia da vontade, isto é, com a possível legislação universal por meio das máximas da mesma. A acção que possa estar de acordo com a autonomia da vontade é permitida; a que não concorde com ela é proibida». A vontade subordina-se, então a uma legislação da qual ela própria é obreira e ainda está relacionada com a ideia da dignidade humana. O homem encontra-se assim dividido entre o mundo sensível e o mundo inteligível, em que Kant dá especial realce ao verbo obrigar, com o objectivo de se opor àqueles que querem colocar a felicidade como princípio fundamental da moral.E nesta rejeição de qualquer ética eudemonista situa-se a polémica da formalidade da moral kantiana.

SCHOPENHAUER ao criticar a moral kantiana (no seu livro O FUNDAMENTO DA MORAL) declara que KANT comete um gravíssimo erro, quando afirma que a filosofia prática não tem de apresentar as razões daquilo que acontece, mas sim as leis do que deveria de acontecer.Para SCHOPENHAUER o único modo de conhecer a vontade como coisa-em-si é pelo próprio corpo.
E ao apropriar-se a lei moral à obrigação ou ao dever, do querer e do poder, levará inevitavelmente a que ninguém obedeça, de boa vontade, ao seu cânone, por este ser contrário às inclinações (sentimentos, afectos, emoções, DESEJOS) naturais do homem.

Toda a acção da verdadeira vontade do sujeito é ao mesmo tempo, e necessariamente, um movimento de seu corpo com todos os seus elementos sensíveis. Assim, toda a acção repentina da vontade é ao mesmo tempo acto fenomenal do corpo e toda a influência exercida sobre o corpo (com desejos), por sua vez, irá sempre predominar sobre a vontade. O conhecimento racional é viciado pela vontade, ou seja a racionalidade é uma forma de conhecimento subserviente.





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