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a árvore ao jardim

A inteligência e a "indústria cultural"

«Uma das lições que a era hitlerista nos ensinou é a de como é estúpido ser inteligente.
(...) Depois, os inteligentes disseram que o fascismo era impossível no Ocidente.
Os inteligentes sempre facilitaram as coisas para os bárbaros, porque são tão estúpidos.
São os juízos bem informados e perspicazes, os prognósticos baseados na estatística e na experiência, as declarações começando com as palavras
: "Afinal de contas, disso eu entendo", são os statement conclusivos e sólidos que são falsos.
Hitler era contra o espírito e anti-humano. Mas há um espírito que é também anti-humano: sua marca é a superioridade bem informada.
(...) A transformação da inteligência em estupidez é um aspecto tendencial da evolução histórica.
(...) O facto então de que, de repente, os inteligentes são os estúpidos prova para a razão que ela é a irrazão.

(...) a quantidade da diversão organizada converte-se na qualidade da crueldade organizada.
(...) A diversão favorece a resignação, que nela quer se esquecer.
(...) A indústria cultural está corrompida, mas não como uma Babilónia do pecado, e sim como catedral do divertimento de alto nível. (…) A fusão actual da cultura e do entretenimento não se realiza apenas como depravação da cultura, mas igualmente como espiritualização forçada da diversão. (…) Ela se compõe dos valores com os quais, em perfeito paralelismo com a vida, novamente se investem, no espectáculo, o rapaz maravilhoso, o engenheiro, a jovem dinâmica, a falta de escrúpulos disfarçada de carácter, o interesse desportivo e, finalmente, os automóveis e cigarros, mesmo quando o entretenimento não é posto na conta da publicidade de seu produtor imediato, mas na conta do sistema como um todo. (…) A inferioridade, forma subjectivamente limitada da verdade, foi sempre mais submissa aos senhores externos do que ela desconfiava. A indústria cultural transforma-a numa mentira patente. A única impressão que ela ainda produz é a de uma lenga-lenga que as pessoas toleram nos
best-sellers religiosos, nos filmes psicológicos e nos women’s serials, como um ingrediente ao mesmo tempo penoso e agradável, para que possam dominar com maior segurança na vida real seus próprios impulsos humanos.
(…) Se a necessidade de diversão foi feita em larga medida produzida pela indústria, que às massas recomendava à obra por seu tema, a oleogravura pela sua iguaria representada e, inversamente, o pudim em pó pela imagem do pudim, foi sempre possível notar na diversão a tentativa de impingir mercadorias, a sales talk, o pregão do charlatão da feira. (…) Divertir-se significa estar de acordo.
(…) Divertir significa sempre: não ter de pensar nisso, esquecer o sofrimento até mesmo onde ele é mostrado. (…) Mesmo quando o público se rebela contra a indústria cultural, essa rebelião é o resultado lógico do desamparo para o qual ela própria o educou.
(…) A indústria cultural realizou maldosamente o homem como ser genérico. Cada um é tão-somente aquilo mediante o que pode substituir todos os outros: ele é fungível, um mero exemplar. Ele próprio, enquanto indivíduo, é o absolutamente substituível, o puro nada, e é isso mesmo que ele vem a perceber quando perde com o tempo a semelhança. É assim que se modifica a estrutura interna da religião do sucesso, à qual, aliás, as pessoas permanecem tão rigidamente agarradas.
(…) A indústria só se interessa pelos homens como clientes e empregados e, de facto, reduziu a humanidade inteira, bem como cada um de seus elementos, a essa fórmula exaustiva.
(…) Quanto menos promessas a indústria cultural tem a fazer, quanto menos ela consegue dar uma explicação da vida como algo dotado de sentido, mais vazia torna-se necessariamente a ideologia que ela difunde.
(
…) A ideologia fica cindida entre a fotografia de uma vida estupidamente monótona e a mentira nua e crua sobre o seu sentido, que não chega a ser proferida, é verdade, mas apenas sugerida, e inculcada nas pessoas. (…) Quem ainda duvida do poderio da monotonia não passa de um tolo.
(…) Ao serem reproduzidas, as situações desesperadas que estão sempre a desgastar os espectadores em seu dia-a-dia tornam-se, não se sabe como, a promessa de que é possível continuar a viver. Basta se dar conta de sua própria nulidade, subscrever a derrota – e já estamos integrados. A sociedade é uma sociedade de desesperados e, por isso mesmo a presa dos bandidos.»
THEODOR W. ADORNO / MAX HORKHEIMER
Dialéctica do esclarecimento
, JORGE ZAHAR EDITOR

*

Situamo-nos assim, numa colectivizante aceitação de uma vã consciência, nesta que será a curto-prazo, se assim nos continuarmos a pensar, a pior das ameaças da decadência humana, por tomarmos como objectivo primeiro o existirmos numa auto-consumação a «matar o tempo» através do lazer, do entretenimento e da diversão, em suma estamo-nos a abandonar ao «gozo», de tudo se construir pelo divertimento de um mal a olhar o outro e os outros como o espectáculo e com a gritante risada ou gargalhada da eminente e sempre apelativa desgraça, e até posto em prática pelas indústrias culturais como a única e possível ideologia neste que é o «estilo» actual de nos esquecermos quem somos, a ignorar o outro e os outros e para deles se fazer uso como divertimento ou gozo, pelo que se quer e se nos exige do automaticamente imediato no repetitivamente contemporâneo.
No meu ensaio com o título: A CONSCIENTE NEGLIGÊNCIA DO CORPO, na pág.7 sobre a inteligência exprimo que:
É assustador, como a noção de inteligência tem sido abusiva, maquiavélica e sub-repticiamente usada e ensinada a fazer da vida e de todas as vidas, como se fossem “coisas” confeccionáveis, ou como se tratasse de um fabrico em série, numa extensão dos objectos que se compram, se vendem, se gastam e se trocam por outros, numa compulsiva, repetitiva, uniforme e vil monotonia, a deixarmos assim de viver com arte e na arte em toda a sua inerente e espontânea autenticidade e integridade no saber fazer, saber estar e saber ensinar a cuidar de tudo e de todos que nos rodeiam.

E sem mais contrários e já por tão doentiamente deformados, a ter sempre de cumprir-se deveres em que dever e até quando, aqui estamos nós, prontos para as tais de ditas «lutas» no «salve-se quem puder», só, obstinada e unicamente pelas vias de uma vontade cega de se esganarmos uns aos outros, já sem desejos, sem valores e sem aspirações futuras, por cada vez mais caoticamente apartados do que é a verdadeira Cultura.


Excertos de PENSAMENTOS em ali_se relativos a este post:

“A DISTRACÇÃO MATA” (…) na sala de aulas é precisamente onde se aprende a ser-se o que é para mim, o verdadeiro distraído, (…) pensa-se a pensar que se pensa, mas no fundo, no fundo só se pensa em se progredir para um futuro em que o Pensamento deixa de ser o primeiro dos privilégios do Homem enquanto Ser.
(…) E é o que temos como professores, como personalidades e como responsáveis à frente das nossas maiores instituições! Estão todos distraídos, têm mais com que se divertir, existem muitas distracções, (…)
(…) esta diversão a matar talentos e capacidades (…)
Competir ou HUMANIZAR (…) Daí se tornar tão importante, para o artista ou para qualquer pessoa sensível, saber do trabalho e do fazer dos outros pela criatividade em afectividade, não no sentido de uma hostil e antagónica competitividade, mas no sentido de um crescimento e enriquecimento interior. Porque só nos conseguimos realizar com a realização dos outros, quando todo e qualquer ser se apresentar liberto e desprovido dessas mesmas rivalidades em agressivas e competitivas conflituosidades. (…)
CAMINHA-SE (…) Caminha-se assim a bem da mentira, de muitas mentiras, da mentira maior, a de se saber que a mentira é imposta numa verdadezinha verdadeira, ou seja, há que viver em verdadeira mentira. (…)
Prossigamos então com toda esta doença!
Ah, a doença, mas a doença é o maior bem da sociedade!... Quanto mais doenças houver, tanto melhor, há pois que pesquisar de forma freudiana, frenética e esquizofrenicamente até se inventar malefícios em tudo, tudo… em tudo e em todos, sem excepção! Para que assim possam ocorrer mais e mais profissões, profissões piedosas, psicologicamente úteis e interessantes, de bons, fáceis e serenos empregos, em seus grandes e benditos salvadores, na sempre tão cómoda, hábil e astuta forma de imputar responsabilidades aos outros por existirem e nascerem tão doentinhos e ainda lhes virem bater à porta!... (…)
SER-SE empacotado (…) E já todos tão «mal alimentados» quando se cansarão destes pacotes pré-concebidos de um amontoado de fabricações para um qualquer vazio que não os felicitará ao FUTURO por tão insustentável?... No «planear o território» a se riscarem todas as terras numa feroz «nova era das descobertas» neste global turismo de formatados similares pacotes das sempre e mesmas receitas gastronómicas nas mesmas decorativas ambiências arquitectónicas, construídos assim para mutilar tudo o que é crescer. (…)

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